quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Assim o Brasil vai matando mais um rio.

Um pouco mais de 200 quilômetros depois de brotar de suas nascentes, o Paraopeba se transformou num rio tóxico. Ferro, cobre, manganês e cromo são encontrados na água numa concentração muito maior do que a lei permite – e do que a saúde humana tolera.
A conclusão vem após uma série de análises de laboratório feitas a pedido da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG que organizou uma expedição com pesquisadores pela área afetada com rejeitos da barragem da Vale em Brumadinho, tragédia ocorrida há um mês.
De tão preocupantes, alguns resultados surpreenderam a equipe. “Nos primeiros trechos onde fizemos coleta de água, o rio estava tão morto, tão degradado, que nem bactérias sobreviveram. Isso não aconteceu nem no rio Doce”, afirma Malu Ribeiro, especialista em Recursos Hídricos da fundação.
Em 2015, o rio Doce recebeu uma grande carga dos 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos que vazaram da barragem de Fundão, em Mariana, da mineradora Samarco, Vale e BHP Billiton. Três anos e dois meses depois, foi a vez de o rio Paraopeba ser impactado por uma catástrofe semelhante, ao receber parte dos 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Ambas as bacias hidrográficas nascem no estado de Minas Gerais e abastecem populações em grandes cidades.
Segundo Ribeiro, os metais pesquisados foram encontrados ao longo de toda a extensão do Paraopeba impactada pelos rejeitos da Vale – cerca de 305 quilômetros, de Brumadinho a Felixlândia.
Dos 22 pontos de coleta da água, todos apresentaram índice de qualidade ruim (10) e péssimo (12). A análise, que segue a legislação vigente no pais, investigou 16 parâmetros, que incluem temperatura da água, oxigênio dissolvido e presença de coliformes, peixes e larvas, para citar alguns exemplo.
“O rio Paraopeba perdeu a condição de ser fonte de abastecimento de água. Os rejeitos da mineração tonaram suas águas impróprias e indisponíveis para usos em uma extensão de 305 quilômetros”, afirma o relatório, divulgado nesta terça-feira (27/02).
Segundo as companhias de abastecimento que retiravam água do rio para consumo humano, as captações estão suspensas.
Para os pesquisadores, os metais ferro, cobre, manganês e cromo identificados no Paraopeba têm, sem dúvida, origem na mina de rejeitos que rompeu. Metais tóxicos foram localizados, como chumbo e mercúrio, mas a sua fonte não foi confirmada.
Estudos científicos comprovam que, para ter uma vida saudável, o ser humano precisa de doses pequenas de alguns metais como cobre, ferro, manganês e zinco – os chamados micronutrientes.
Por outro lado, a ingestão direta desses metais dissolvidos na água ou acumulados nos peixes, por exemplo, provoca distúrbios no metabolismo.
Como estão em níveis muito elevados no Paraopeba depois do rompimento da barragem, esses elementos causam problemas para os ecossistemas, para os animais e seres humanos.
Em alguns trechos, a concentração de cobre ultrapassa em 400 vezes o nível seguro fixado pela lei. Ingerido em grandes quantidades, o metal pode danificar rins, inibir a produção de urina e causar anemia. O cromo, por sua vez, pode causar mutações e até morte.
“A diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem”, pontua Marta Marcondes, professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), numa referência a Paracelso, médico do século 16.
No laboratório da universidade, Marcondes conduziu diversos testes com o material coletado de Brumadinho a Felixlândia. “O manganês, por exemplo, é um elemento que está na natureza, precisamos dele no corpo. Mas, se ingerido em grande quantidade, ele vai se alojar em tecidos que vão ocasionar algum tipo de lesão”, comenta.
Além dos metais e da qualidade da água, Marcondes investigou a presença de bactérias. Segundo a pesquisadora, a avalanche de rejeitos, ao varrer zonas que continham fossas e criações de animais, arrastou para o rio organismos que podem também provocar danos à saúde humana.
“Isso é um efeito preocupante. As pessoas do entorno, que já estão debilitadas, podem sofrer um processo infeccioso causado por essas bactérias”, comenta Marcondes. “Segundo nossas análises, pelos menos oito espécies encontradas são resistentes a antibióticos”, comenta sobre os resultados preliminares.
De posse dessas informações, produzidas de forma independente pela SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro espera que os dados sejam usados na tomada de decisões sobre a recuperação da bacia hidrográfica do Paraopeba.
“A gente espera também que a legislação ambiental brasileira não seja fragilizada. A fragilização das leis pode potencializar situações como essa a que estamos assistindo em Minas Gerais”, afirma.
Para Marta Marcondes, os resultados deveriam funcionar como um alerta. “Não se pode manter a população afetada na ignorância”, alerta. Com base na experiência em análises de dinâmica de rios ao longo dos últimos 15 anos, ela faz uma previsão. “Os rejeitos que escorrem pelo Paraopeba, mais cedo ou mais tarde, chegarão ao São Francisco”. Com mais de 2800 quilômetros de extensão e 18 milhões de moradores no entorno de sua bacia, o rio é um dos mais importantes do país.
Fonte: Deutsche Welle

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Como atrair a vida selvagem de volta para as grandes cidades.

Projetos de “renaturalização” urbana estão atraindo a vida selvagem de volta às grandes cidades – seja criando prados para borboletas ou construindo ninhos para aves de rapina.

O movimentado West End no centro de Londres não parece ser o local mais provável para se ver um dos pássaros mais raros do Reino Unido. Há apenas cerca de 20 a 40 casais reprodutores de rabirruivo-preto no país. Mas nos últimos anos, este passarinho raro começou a construir seu ninho nesta região agitada da cidade – e não foi introduzido artificialmente.
O rabirruivo-preto não é a única espécie inesperada da fauna selvagem que está vivendo em paisagens urbanas conhecidas. A população de mariposas, borboletas, pica-paus e até mesmo morcegos, que costumam ser encontrados em pastagens rurais, também tem aumentado nesta parte de Londres.
É uma tendência que ganha cada vez mais força em todo o mundo. Em Nova York, os falcões-peregrinos – que foram quase extintos nos EUA – agora podem ser vistos regularmente, a uma velocidade vertiginosa, por arranha-céus de toda a cidade.
Essas mudanças são resultado de esforços crescentes para transformar áreas urbanas hostis a espécies selvagens em habitats acolhedores que permitam a convivência harmônica com os habitantes da cidade. Uma nova iniciativa inclui até mesmo instalar colmeias dentro de escritórios.
Você não precisa reformular completamente a estrutura de uma cidade para conseguir isso, diz Emily Woodason, arquiteta paisagista da empresa de design e planejamento Arup.
Às vezes, criar “bolsões de vegetação” é suficiente para atrair a vida selvagem para determinada área. O projeto Wild West End, que envolve seis dos maiores proprietários de terras de Londres, está tentando criar 100 metros quadrados de espaços verdes a cada 100 metros.
“É um objetivo ambicioso”, diz Woodason. “Em última análise, o objetivo é criar um corredor verde entre os parques de Londres.”
Além de planejar mais áreas verdes, muitos proprietários estão optando por reformar os edifícios existentes com paredes ou telhados cobertos por vegetação. Até agora, parece estar funcionando. Desde a primeira análise da vida selvagem, realizada há dois anos, várias espécies retornaram à região, incluindo o rabirruivo-preto.
“Um dos espaços criados talvez inclua pilhas de pedra e pedaços de troncos de árvores, que são ótimos para atrair diferentes insetos e permitir uma colonização mais natural das espécies ao longo do tempo”, destaca Woodason.
“Essas condições são perfeitas para esse tipo de ave.”
Atrair espécies raras de volta às cidades não é apenas algo “bacana de se fazer”, embora certamente torne a vida urbana mais diversificada e interessante. Algumas espécies atraídas por esses programas são consideradas essenciais para a segurança alimentar – os insetos polinizadores, por exemplo, como abelhas e borboletas. E suas populações estão despencando globalmente.
“Percebemos que planejamento urbano, desenvolvimento, arquitetura e desenho industrial são todos cúmplices na eliminação de outras espécies no planeta”, diz Mitchell Joachim, diretor e cofundador da Terreform, empresa de planejamento ecológico e arquitetura.
“Sou absolutamente apaixonado por tentar restaurar esses habitats nas cidades e incutir isso na maneira como planejamos nossos edifícios.”
Às vezes isso significa planejar um prado vertical de oito andares nas paredes de um prédio de escritórios em Manhattan. As borboletas-monarcas são nativas da América do Norte, mas vêm desaparecendo rapidamente desde os anos 1980, devido à destruição generalizada da asclépia, planta que é essencial para sua reprodução.
“A asclépia é uma espécie altamente invasiva, os seres humanos não gostam disso – pode causar erupções na pele ou tomar conta do gramado”, diz Mitchell.
Construir um espaço para as borboletas-monarcas nos prédios é parte de um esforço para reduzir seu declínio vertiginoso.
“É um santuário para as borboletas-monarcas, para elas procriarem, com viveiros de lagartas e áreas para crisálidas e borboletas adultas”, diz Joachim. “Elas moram lá por algumas semanas e depois são libertadas.”
Para haver um impacto real na população de borboletas-monarcas, será necessário mais de um santuário. O mais importante a fazer é restaurar o habitat natural da espécie – dentro e fora da cidade, ao longo de sua rota de migração para o México – proporcionando mais asclépias, principalmente.
Nas cidades, o terraço dos prédios é o lugar óbvio para começar o cultivo de asclépias. Um jardim deste tipo está planejado para ser instalado no topo do edifício do “santuário” de borboletas – para receber os insetos quando forem soltos ao ar livre. Mas isso é algo que todo mundo que é dono ou aluga um imóvel pode fazer, não apenas os proprietários de grandes edifícios.
Para surtir efeito no longo prazo, as pessoas precisam dar menos importância ao aspecto de seus gramados e jardins e deixar as asclépias intactas.
Às vezes a vida selvagem volta a uma cidade não porque as pessoas criam um espaço destinado a ela, mas porque algo que era tóxico para as espécies não existe mais.
O pesticida DDT, originalmente aclamado, foi amplamente utilizado na agricultura a partir da década de 1940. Apenas décadas depois foi descoberto que era altamente tóxico para muitas espécies, incluindo os seres humanos, e a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em inglês) proibiu a substância em 1972.
Entre os mais afetados, estavam as aves de rapina, uma vez que a toxina se acumulava ao longo da cadeia alimentar. A população americana de falcões-peregrinos, a ave de rapina mais rápida do mundo, foi dizimada e, em 1970, estava à beira da extinção.
Um grupo de cientistas criou uma iniciativa de conservação chamada Peregrine Fund, para tentar criar exemplares da espécie em cativeiro até poderem ser soltos na natureza. Um dos lugares em que os falcões-peregrinos prosperaram acabou se revelando um tanto inesperado.
“Eles começaram a experimentar soltar falcões-peregrinos nas cidades”, diz Erin Katzner, diretora de engajamento global do Peregrine Fund.
“Não só funcionou, como funcionou muito bem.”
Os arranha-céus ofereciam um habitat familiar às aves – lugares altos, com “penhascos” e espaço para fazer o ninho longe de predadores em potencial, como guaxinins ou raposas.
Os cientistas trabalharam com proprietários de edifícios na criação de parapeitos para as aves se aninharem. Pombos e aves migratórias forneciam comida abundante. E, com o declínio da contaminação da cadeia alimentar por DDT, a população de falcões-peregrinos nas cidades aumentou.
“Agora você pode encontrá-los em quase todas as cidades dos Estados Unidos, incluindo vários casais em Manhattan”, diz Katzner.
“Você pode estar no centro de Nova York e se deparar com falcões voando entre os arranha-céus.”
Há, inclusive, muitos registros de espécies que vivem no campo chegando às cidades por conta própria, uma vez que se tornaram um habitat tão favorável. Além de serem fascinantes de observar, as aves de rapina urbanas ajudam reduzir a presença de roedores.
Iniciativas de “renaturalização” urbana costumam apresentar benefícios em diversos níveis – espaços verdes deixam as pessoas mais felizes, ajudam a resolver problemas de drenagem da água e evitar inundações, além de proporcionar um habitat para polinizadores e outras espécies.
Mas talvez um dos seus atributos mais valiosos seja fazer com que as pessoas se sintam mais conectadas com a natureza e estejam mais conscientes de nossa relação com o meio ambiente.
No longo prazo, a ideia não é apenas construir empreendimentos ecológicos, mas mudar a mentalidade sobre o que é desenvolvimento.
Até pouco tempo, urbanização significava transformar áreas verdes em cinza, a partir do concreto, asfalto e vidro usado nas construções tradicionais. Não é de se espantar que isso acabou sendo nocivo para nosso bem-estar mental, saúde física, meio ambiente, ecossistemas e vida selvagem.
A “renaturalização” é uma maneira de reverter esse processo: priorizando plantas e animais e abrindo caminho para os benefícios à nossa saúde, bem-estar e ao ambiente urbano.
Fonte: BBC

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Cientistas precisam reconquistar corações e mentes em relação às mudanças climáticas, diz Brito Cruz.

Embora a ciência climática tenha avançado muito nos últimos anos – seja em modelagem ou na avaliação de riscos e impactos – parte da sociedade ainda põe em dúvida o conhecimento científico acumulado sobre o assunto. Essa situação sui generis tem sido observada no Brasil e em outros países que lideram as pesquisas na área.
Para piorar a situação, esse ceticismo ocorre no mesmo período em que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas alerta para a urgência de medidas para reduzir do ritmo das mudanças climáticas.
“As mudanças climáticas são um dos maiores exemplos de como a ciência é importante para a sociedade. Porque foi a ciência que descobriu que esse fenômeno estava e está ocorrendo. Isso já há décadas”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, na abertura da reunião anual do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), ocorrido na semana passada.
A reunião, que teve como proposta avaliar os 10 anos do programa, lançado em 2008, e propor novas abordagens, serviu também como reflexão para a importância da divulgação científica e da alfabetização científica – mais conhecida pelo termo em inglês science literacy, que tem por objetivo disseminar o conhecimento e o método científico para a população em geral, sobretudo nas escolas.
“Precisamos de excelência na ciência e também na comunicação com a sociedade, que sofre os impactos desse fenômeno”, disse Brito Cruz. “Não é questão de opinião, é uma questão comprovada por pesquisa, medição, teste e verificação há muitos anos por cientistas em todo o mundo. O que eu percebo é que nós brasileiros, mas também cientistas americanos, franceses e ingleses, não estamos conquistando os corações e mentes”, disse.
Entre 2008 e 2018, a FAPESP investiu R$ 276 milhões em pesquisa sobre o tema mudanças climáticas globais e R$ 151 milhões em estudos que fazem parte do programa.
“Um terço é por meio de colaboração internacional, ou seja, a cada R$ 1 da FAPESP outra agência internacional deposita também o equivalente a pelo menos R$ 1. Isso amplia recursos”, disse Brito Cruz.
Mudanças climáticas é a área de pesquisa mais internacionalizada na FAPESP, destacou Brito Cruz. Nesse campo, 80% dos artigos publicados por cientistas paulistas são feitos em colaboração com colegas de outros países. A média do Estado de São Paulo é 40%.
“A Amazônia é fundamental para o estudo das mudanças climáticas e a FAPESP é a agência com a maior carteira de pesquisa nesse bioma. Então, não acreditem quando dizem que não existe pesquisa brasileira sobre a Amazônia”, disse.
Descarbonizar a atmosfera
Na reunião do PFPMCG, os participantes destacaram também que, além de fazer ciência eficiente, é preciso conectar os resultados com os benefícios econômicos e sociais das pesquisas. Nesse sentido, estudos que integrem as ciências sociais e os temas cidades e saúde ganham relevância, por exemplo. Outra área que precisa ganhar espaço é o estudo das mudanças climáticas nos oceanos.
De acordo com os cientistas que participaram do evento, é preciso também estudar medidas e a modelagem de descarbonização da atmosfera.
“Se somarmos tudo que os países se comprometeram ao adotar no Acordo de Paris, em 2015, não vamos conseguir limitar o aquecimento global em 1,5ºC. Se tudo for feito, deve ficar acima de um aumento médio de 3ºC. Vamos precisar dos cientistas”, disse Thelma Krug, membro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e vice-presidente do IPCC.
Isso quer dizer que, além de reduzir as emissões de dióxido de carbono, será necessário também descarbonizar a atmosfera. Na reunião, foram apresentadas variáveis que devem ser incluídas nas modelagens climáticas com essa nova realidade. Entre as variáveis está a resposta da natureza frente às mudanças climáticas.
“Basicamente, descobriu-se que a fotossíntese fica mais eficiente quando tem mais CO2 na atmosfera, assim como o aumento na capacidade de estocagem de carbono nos oceanos. Porém, quanto mais se retira CO2 ativamente [por tecnologias de descarbonização], menos a natureza trabalha. Os processos vão diminuindo e deixam de ficar eficientes”, disse Marcos Heil Costa, professor do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Segundo Costa, isso torna a modelagem climática mais complexa e os processos de descarbonização ainda mais caros.
Dados abertos e impactos nas cidades
A maioria dos participantes do encontro destacou a necessidade da criação de um programa de dados abertos para os cientistas.
“Extraímos dados para produzir conhecimento. Portanto, precisamos já no início do projeto determinar a gestão e os processos de análise de big data. Temos exemplos de boa gestão e análise de big data”, disse Pedro Luiz Pizzigatti Corrêa, professor do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
O aspecto urbano foi outro ponto que deve ganhar relevância nos estudos de mudanças climáticas. “Os cientistas pensam no futuro mas as cidades ainda são pensadas como no século 19, quando começou a urbanização. Ainda enfrentam problemas de saneamento, mobilidade, lixo”, disse José Puppim de Oliveira, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para Oliveira, os problemas e as soluções estão nas cidades dos países emergentes. “A emissão per capita na China é maior que na Europa enquanto o PIB per capita chinês é mais que a metade do europeu. Isso tem relação com a urbanização”, disse.
Ele comentou que a cidade chinesa de Xangai e a capital paulista têm o mesmo PIB, porém Xangai emite 10 vezes mais CO2. “Isso mostra que é possível melhorar e não é preciso rocket science, já temos as soluções. Elas já existem”, disse.
Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política da USP e coordenadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP –, alertou para a agenda ambiciosa.
“As ciências sociais brasileiras precisam se adensar sobre o tema. Olhar para a questão urbana das mudanças climáticas exige um novo modelo de cidade e isso implica um novo estilo de vida e a implementação de políticas públicas”, disse.
A pesquisadora sugeriu que os cientistas climáticos tivessem como base outras políticas públicas no Brasil para formular uma agenda. “Problemas urgentes requerem convencimentos urgentes”, disse. Em sua apresentação, ela usou como exemplo de implementação de políticas públicas a ampliação do Sistema Único de Saúde (SUS) nos últimos 30 anos.
“Antes de 1988, o padrão do SUS era atender quem tinha carteira assinada. Isso deixava de fora do sistema cerca de 60% da população. Se olharmos historicamente, o SUS incorporou mais da metade da população brasileira. Tem milhões de problemas, mas incorporou. E só conseguiu isso sensibilizando o poder central”, disse.
“A questão das mudanças climáticas exige participação de governos, empresas e cidadãos. Ela requer uma revolução copernicana. Não é trivial, é mais que uma operação de guerra”, disse Arretche.
Problema global com impacto individual
Outro ponto destacado na reunião anual do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais foi a abordagem das mudanças climáticas no nível local e até individual, além de seus impactos em áreas sensíveis da economia, como agricultura, energia, relações internacionais e na saúde do cidadão.
Entre as áreas de estudo que ganham relevância estão o cálculo do risco sistêmico desses setores-chave da economia e o desenvolvimento e implementação de tecnologias que garantam maior eficiência.
“O que comove o agricultor não é a redução das emissões. Ele precisa se manter na atividade agrícola, precisa produzir. Portanto, promover a mitigação, aumentando a eficiência, é o que vai funcionar”, disse Giampaolo Pellegrino, coordenador do Portfólio de Pesquisa em Mudanças Climáticas da Embrapa.
Para Pellegrino, o maior desafio é institucional, não científico. “No caso da agricultura, já temos muitas soluções, mas como tornar isso acessível, fazer com que seja utilizado pela sociedade?”
Ele mencionou como exemplo positivo e institucional a implantação do plano ABC – Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. “O plano conta com uma linha de crédito para que medidas de mitigação sejam implementadas para a agricultura de baixo carbono”, disse.
Segundo Pellegrino, é preciso também municiar o governo federal e os negociadores climáticos que participam das conferências do clima e cúpulas internacionais. “Quando não fazemos isso, perdemos dinheiro”, disse.
A maior eficiência também é uma questão importante no campo energético. “Todas as transformações estão acontecendo não por causa de uma aflição com as mudanças climáticas, mas porque elas são mais eficientes, gastam menos energia e, portanto, são mais interessantes”, disse José Goldemberg, professor da USP e ex-presidente da FAPESP.
Para Goldemberg, a competição entre os países industrializados é importante para aumentar a eficiência energética e, com isso, reduzir as emissões.
Na saúde não é muito diferente. “Análises do número de mortes por variação de temperatura, mostram que vamos morrer de acordo com o nosso CEP [Código de Endereçamento Postal]. As cidades precisam estar preparadas para as mudanças climáticas. Há muita vulnerabilidade e nós cientistas precisamos mostrar que as mudanças de hábito são para benefício próprio”, disse Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Fonte: FAPESP

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Glifosato: mitos e verdades sobre um dos agrotóxicos mais usados do mundo.

Comercializado para agricultores desde 1974, o glifosato é hoje o herbicida mais comum do mundo, mas a discussão científica sobre sua segurança ainda não chegou a uma conclusão clara.

Herbicidas são agrotóxicos que matam ervas daninhas que prejudicam a monocultura produzida em uma fazenda.
Até pouco tempo atrás, o glifosato era considerado um dos agrotóxicos menos problemáticos, explica o agrônomo Luiz Claudio Meirelles, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
Princípio ativo de centenas de herbicidas no mercado, ele age inibindo a ação de uma enzima usada pelas plantas invasoras para realizar fotossíntese. Os animais não possuem essa enzima, então, em tese, não deveriam ser afetados pela substância.
Essa suposta segurança, aliada ao desenvolvimento de soja geneticamente modificada resistente aos efeitos do glifosato, fez com que ele se espalhasse rapidamente pelo mundo e se tornasse amplamente usado.
No entanto, em 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc), parte da Organização Mundial de Saúde, concluiu com base em centenas de pesquisas que o glifosato era “provavelmente cancerígeno” para humanos.
Já a EPA (agência de proteção ambiental americana) continua a insistir que o glifosato é seguro quando usado corretamente. Na Europa, a agência ambiental alemã corroborou essa avaliação da EPA. E os últimos estudos da EFSA (Autoridade Europeia de Segurança Alimentar) e da ECHA (Agência Europeia de Produtos Químicos) foram positivos para a substância.
Por causa disso, a Comissão Europeia autorizou o uso do glifosato no continente até 2022, quando voltará a fazer uma avaliação.
No Brasil, o glifosato também é permitido, mas está sob reavaliação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde 2008.
Mas qual das entidades afinal está certa sobre o glifosato? Por que as instituições dão informações tão discrepantes sobre a segurança do uso? Ele causa câncer ou não?

Objetivos distintos

A diferença entre as análises existe pois as instituições usam metodologias diferentes.
Elas não baseiam suas conclusões em experimentos próprios, mas sim em pesquisas científicas já publicadas sobre o assunto, explica Letícia Rodrigues, especialista em toxicologia, regulação e vigilância sanitária, e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná.
Ela afirma que há muitos critérios diferentes para determinar quais estudos são levados em consideração para que aquela instituição chegue a uma conclusão.
E há bastante diferença entre ciência acadêmica – produzida nas universidades, com as últimas descobertas – e a ciência regulatória – das agências de regulação, que segue uma série de portarias e protocolos estabelecidos em lei para avaliar os estudos.
“O Iarc e a EPA são instituições com objetivos diferentes”, afirma Luiz Claudio Meirelles, da Fiocruz. “O Iarc é ligado à OMS, está preocupado com as últimas descobertas na proteção da saúde. Enquanto a EPA e as outras agências têm fins de registro e podem ter um viés econômico muito forte.”
A possibilidade de que pressões econômicas tenham tido influência na decisão do órgão foi levantada por ativistas nos Estados Unidos, e alguns deputados democratas chegaram a pedir que o Departamento de Justiça investigue se há relações entre funcionário do governo e indústrias de agrotóxicos.
Defensores da avaliação das agências afirmam que os resultados são diferentes porque a EPA teve um rigor maior no filtro para os estudos e pesquisas científicas analisados – selecionando apenas estudos nos quais havia peer-review (revisão feita por outros cientistas), credenciamento em boas práticas de laboratório etc. Dizem também que o Iarc (Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer) não detalhou os critérios usados para a análise dos estudos.
Mas especialistas em agrotóxicos têm confiança na conclusão do órgão.
“A OMS tem um perfil até conservador e o Iarc é muito responsável na sua análise”, diz Meirelles. “Os estudos (que apontam que o glifosato é provavelmente carcinogênico para humanos) foram feito por pesquisadores relevantes, publicados em revistas internacionais respeitadas.”

‘Caminho sem volta’

Segundo Luiz Claudio Meirelles, da Fiocruz, o entendimento de que o glifosato é uma substância prejudicial é um “caminho sem volta”.
“Se você olha como algumas substâncias foram tratadas historicamente, percebe semelhanças. O DDT (pesticida muito usado na segunda metade do século passado), por exemplo. Quando começou a se descobrir seus efeitos cancerígenos, quem tinha interesse econômico fez de tudo para negar”, afirma ele.
“Mas a ciência independente foi avançando, comprovando que os malefícios eram verdadeiros, e não havia mais como negar. Hoje, o DDT é proibido mundialmente. O glifosato é o DDT de hoje, vai passar pelo mesmo processo.”
E, de fato, o entendimento de que o glifosato é perigoso à saúde, mesmo quando usado corretamente, está se ampliando cada vez mais.
No ano passado, a Monsanto foi condenada pela Justiça americana a pagar US$ 289 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) a Dewayne Johnson, que afirma que o câncer que teve em 2014 foi causado pelo uso de um dos agrotóxicos que contêm glifosato da empresa. A Monsanto nega que a substância cause câncer e afirma que vai recorrer da decisão.
O processo foi o primeiro alegando que agrotóxicos com glifosato causam câncer a ir a julgamento e gera precedente para centenas de processos parecidos na justiça americana.
Na França, o presidente Emmanuel Macron havia prometido acabar com o uso do glifosato até 2021, mas voltou atrás em janeiro deste ano após protestos de fazendeiros e agricultores. “Não é mais viável, vai matar nossa agricultura”, disse Macron.
O argumento usado pelos agricultores franceses e por outras pessoas contrárias ao banimento da substância é que os agrotóxicos substitutos podem ser piores e menos estudados.
Mas, para especialistas como Meirelles, essa é uma forma muito simplista de pensar. “O controle de pragas nem sempre precisa ser feito com substâncias químicas agressivas”, diz ele.
“Há várias formas de resolver esse problema. Você tem inimigos naturais, permacultura, uma série de soluções. Hoje a gente usa muito pouco a tecnologia para tentar reduzir o consumo de agrotóxicos. É preciso substituir tecnologias prejudiciais por tecnologias mais avanças, menos nocivas”.

A questão das abelhas

É um fato científico conhecido que alguns pesticidas são responsáveis pela morte de abelhas. As substâncias chamadas neonicotinoides, por exemplo, estão relacionadas ao desaparecimento de colônias nos EUA e na Europa – tanto que muitos produtos com esse princípio ativo foram proibidos na União Europeia. Não havia, no entanto, uma ligação clara entre a morte desses insetos – essenciais para polinização das plantas – e o glifosato.
Um novo estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences expôs as abelhas a níveis da substância encontrados em jardins e plantações e descobriu que, quando ingerido pelas abelhas, o glifosato afeta o micribioma intestinal dos insetos e diminuiu sua capacidade de combater infecções.
Após a contaminação, as abelhas expostas a um parasita comum morreram com muito mais frequência do que as que tinham um microbioma saudável por não terem sido expostas ao herbicida.
“Precisamos de diretrizes melhores para o uso do glifosato, porque no momento as regras supõem que as abelhas não são prejudicadas pelo herbicida. Mas nosso estudo prova que isso não é verdade”, disse Erick Motta, um dos líderes da pesquisa.

Confusão e desinformação

Apesar de a substância estar sendo cada vez mais pesquisada e entendida no meio cientifico, o fato de informações conflitantes virem de instituições confiáveis cria uma confusão no público sobre os efeitos da substância e abre um espaço propício para a disseminação de desinformação.
Nos últimos tempos, dezenas de informações falsas têm sido espalhadas nas redes sociais sobre o glifosato. Foi muito compartilhado, por exemplo, que glifosato causa autismo – informação para a qual não há nenhuma evidência científica.
A mentira começou quando Stephanie Seneff, pesquisadora da área de Ciência da Computação no MIT (Massachusetts Institute of Technology), disse em um evento que “o glifosato causará autismo em 50% das crianças até 2025”.
Tanto o uso do glifosato quanto os índices de autismo aumentaram nos últimos anos, mas não há nenhuma prova de que exista uma relação de causa e efeito entre ambos, segundo médicos e pesquisadores.
“O autismo tem sido muito estudado e não tem relação nenhuma com glifosato”, explica Ana Arantes, professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), pesquisadora do Instituto LAHMIEI/Autismo e BCBA (certificada internacionalmente para trabalhar com a condição). “Não há nenhuma pesquisa científica que relacione glifosato com a condição.”
Seneff não usou estudo ou pesquisa como base, apenas mostrou um gráfico com o uso de glifosato no mundo e outro com o número de registros de autismo. Segundo a agência Drops, de checagem de informações médicas, ela deduziu sozinha, sem apresentar nenhuma evidência, que um causava o outro.
“A cada uma dessas teorias malucas sobre o autismo está atrelado um tratamento, que custa caro e pode ser perigoso”, diz Arantes.
Fonte: BBC

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Em 40 anos desapareceram 60% das espécies

A WWF divulgou o Relatório Planeta Vivo e alerta para situação crítica para o planeta

O Relatório Planeta Vivo, realizado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e publicado recentemente, alerta para o desaparecimento de uma grande quantidade de espécies animais e vegetais. Segundo o estudo publicado, entre os anos 1970 e 2014, entre os vertebrados mamíferos selvagens, os pescados, as aves, os répteis e os anfíbios, houve uma diminuição de 60% na diversidade de espécies.
O dado mais impressionante entretanto se refere aos peixes que habitam as águas doces. Segundo o estudo da WWF, 83% das espécies se extinguiram no século 20. Esta diminuição se relaciona especialmente com a degradação do ecossistema.
Segundo o relatório, os grupos mais afetados foram as aves, os mamíferos, os anfíbios, os corais e as cícadas (família de plantas antigas).
A perda das espécies, e o desequilíbrio dos ciclos de nitrogênio e de fósforo resultante do uso de fertilizantes e pecuária poderiam provocar um limite crítico para o planeta, segundo cientistas ambientais. No caso da degradação dos solos, a FAO já alertou que estamos em condições extremas.
O diretor geral da WWF, Marco Lambertini, afirmou que “o surpreendente declínio nas populações de animais selvagens mostrado pelo último Índice do Planeta Vivo é um lembrete e talvez o indicativo final da pressão que exercemos sobre o planeta”.
Lambertini ressalta sobre a necessidade urgente de atuar para criar uma sociedade neutra em carbono e “reverter a perda da natureza – por meio de financiamento verde, energia limpa e produção de alimentos ecologicamente correta”, defende.
O Relatório Planeta Vivo 2018 é a décima segunda edição do levantamento que traz evidências sobre a saturação ambiental da forma como alimentamos, abastecemos e financiamos nossa sociedade.
FUNIBER patrocina mestrados e doutorados na área ambiental com um enfoque à gestão de empresas e projetos de forma sustentável.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

As catástrofes humanitárias esquecidas do planeta.

Inundações, secas, fome, violência, deslocamento: também em 2018, inúmeros países voltaram a ser palco de catástrofes naturais ou crises criadas pelo ser humano. Enquanto, por exemplo, as guerras na Síria e no Iêmen, a crise de abastecimento na Venezuela e os incêndios florestais na Califórnia dominaram as manchetes internacionais reiteradamente, outras catástrofes de dimensão parecida ou maior aconteciam longe dos olhos do grande público.

Entre outros, os motivos foram um acesso mais difícil dos meios de comunicação a certas áreas de crise que representavam um verdadeiro desafio para a cobertura internacional, além de orçamentos definhando nas redações, diz o estudo Sofrendo em Silêncio, em tradução livre, da ONG americana Care International. A análise apresenta as crises humanitárias que “obtiveram a menor cobertura midiática” em 2018.
Para realizar o estudo, a organização trabalhou em conjunto com o serviço de observação de mídias Meltwater, avaliando mais de um milhão de artigos online em inglês, alemão e francês, publicados do início de janeiro ao fim de novembro do ano passado. Concretamente, observou-se com que frequência crises que afetaram pelo menos um milhão de pessoas foram mencionadas na imprensa online.
Não foram consideradas matérias produzidas para a TV ou o rádio, nem para plataformas de redes sociais. Apesar da restrição às línguas mencionadas e aos veículos, os resultados “mostram uma tendência clara”, afirma o texto. O estudo elaborou uma lista com as dez crises sobre as quais menos se escreveu em 2018. Essas são as cinco menos noticiadas.
Haiti
Carros incendiados, ruas interditadas por barricadas, mortes: recentemente, os violentos protestos contra o governo voltaram a trazer o Haiti para os holofotes da opinião pública internacional. Mas, em 2018, uma crise alimentar causada, entre outros, por atrasos na colheita devido a uma seca no início do ano obteve muito menos atenção.
No Índice Global da Fome de 2018, o país caribenho, alvo constante de catástrofes naturais e que depende maciçamente de ajuda financeira internacional, ficou em 113º lugar entre 119 países. O país, politicamente instável, registrou “o maior nível de fome no Hemisfério Ocidental”, diz o relatório publicado pela ONG alemã Welthungerhilfe e pela ONG Concern Worldwide. A situação da segurança alimentar no país é “muito séria”, diz o índice.
Segundo a lista IPC da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), entre outubro de 2018 e fevereiro de 2019, mais de 386 mil haitianos se encaixavam na categoria alimentar “emergência”. Segundo dados da FAO, atualmente, metade da população haitiana é subnutrida.
A Care denuncia que a dramática evolução praticamente não teve espaço na mídia. “Enquanto o grave terremoto no Haiti dominou as manchetes do mundo inteiro em 2010, a crise alimentar de 2018 no país caribenho quase não aconteceu nas notícias internacionais”, diz o estudo. Apenas 503 textos online teriam abordado o assunto.
Etiópia
Também o país no Chifre da África foi afetado por uma crise alimentar em 2018. Apesar do crescimento econômico acelerado, mais de 80% da população etíope vive de trabalhos relacionados à agricultura – uma fonte de renda constantemente ameaçada por secas. No ano passado, após dois consecutivos de estiagem, voltou a chover, mas em muitas regiões não foi suficiente.
Em outras áreas do país, por outro lado, colheitas foram destruídas por enchentes. Segundo dados do governo, como consequência, oito milhões de pessoas passaram a depender urgentemente de auxílio alimentar. Segundo as Nações Unidas, 3,5 milhões de pessoas estavam em situação aguda de “subnutrição moderada”, 350 mil sofriam de subnutrição “grave”.
Na lista das crises mais negligenciadas em 2018, a Etiópia figura duas vezes. Segundo o estudo da Care, apenas 986 textos na internet relatam sobre a fome no país. O deslocamento de centenas de milhares de pessoas também quase não foi tematizado. Segundo dados da ONU, entre abril e julho do ano passado, um milhão de pessoas tiveram que deixar suas casas por causa de violência étnica nas regiões de Gedeo e de Guji Ocidental. Assim, em 2018, mais pessoas se deslocaram internamente por conflitos do que em qualquer outro país do mundo.
Madagascar
No ano passado, vários incidentes meteorológicos destruidores levaram caos ao país insular no sudeste da África. Madagascar é um dos países do mundo mais afetados pelas mudanças climáticas. Em 2018, o fenômeno climático El Niño fez com que as plantações de arroz, de milho e de mandioca do país secassem.
As tempestades tropicais Ava e Eliakim obrigaram mais de 70 mil pessoas a fugirem. Pelo fato de as más condições de tempo terem impedido a produção de muitos grãos, o número de pessoas ameaçadas de fome no sul do país aumentou para 1,3 milhão, segundo a ONU.
Além disso, epidemias de sarampo e peste abalaram o país localizado ao largo da costa de Moçambique. Em 2017, epidemias de pneumonia e peste bubônica já haviam vitimado 200 pessoas. Na capital Antananarivo, a Organização Mundial da Saúde contou 6.500 casos de sarampo até o final de dezembro de 2018.
O motivo para a eclosão da epidemia são especialmente as baixas taxas de vacinação: apenas 58% da população são vacinados contra a doença. Segundo o relato da Care, os relatos sobre as crises em Madagascar foram bastante raros.
República Democrática do Congo
De acordo com o estudo, a situação na República Democrática do Congo também não concentrou muitas atenções da imprensa online em 2018. Apesar disso, segundo a Care, o país é dominado por um “círculo vicioso de violência, doenças e subnutrição”. O balanço do ano passado: 12,8 milhões de pessoas ameaçadas de fome, 4,3 milhões de crianças subnutridas, 500 novos casos de ebola que levaram à morte de 280 pessoas, segundo a OMS, e quase 765 mil pessoas refugiadas em países vizinhos devido à violência causada por conflitos entre milícias, especialmente nas províncias no leste do país.
Um número de menores de idade acima da média é vitima permanente do conflito: segundo uma análise recente da organização de defesa dos direitos das crianças Save The Children e do Instituto de Pesquisas da Paz em Oslo, a RDC pertence aos países do mundo em que as crianças mais sofrem com conflitos armados.
A violência sexual sistemática contra mulheres no país também não acaba. No total, as Nações Unidas estimam em mais de 200 mil o número de vítimas de estupros na antiga colônia belga. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) tratou 2.600 vítimas de violência sexual na cidade de Kananga entre maio de 2017 e setembro do ano passado, 80% delas teriam dito que foram violentadas por homens armados.
“Esses números são um indicador para o alto nível de violência também neste ano”, afirmou Karel Janssens, coordenador nacional do MSF para o país. Na esteira da entrega do Prêmio Nobel da Paz ao ginecologista Denis Mukwege, a violência sexual na RDC voltou a ser tematizada mais fortemente nos veículos de comunicação. Mas a Care destaca que os problemas no país integram as crises menos notadas do ano.
Filipinas
No dia 14 de setembro de 2018, o mundo olhava atônito para a costa leste dos Estados Unidos, onde o olho do furacão Florence atingiu o continente no estado da Carolina do Norte. A quase 14 mil quilômetros de distância e quase ao mesmo tempo, uma tempestade bem mais forte atingiu o litoral da ilha de Luzon, a principal das Filipinas.
A uma velocidade de 200 km/h, o tufão Mangkhut, o maior ciclone tropical do ano, tocou o solo na manhã do dia 15 de setembro. Segundo o estudo, apesar de a catástrofe ter afetado mais de 3,8 milhões de pessoas, ter matado 82 pessoas e ferido 130, pouco se ficou sabendo sobre o Mangkhut através da imprensa.
Apenas um mês depois, o tufão Yutu  devastou várias comunidades já destruídas pelo Mangkhut e que já haviam iniciado os trabalhos de reconstrução. Globalmente, as Filipinas fazem parte dos países onde há maior risco de catástrofes naturais da Ásia. Vinte tempestades tropicais atingem o país insular no Pacífico ocidental todos os anos.
Segundo o Banco Mundial, os tufões matam, em média, mil pessoas anualmente. Além disso, o país está altamente exposto a riscos geológicos como terremotos e erupções vulcânicas. A Care denuncia que os furacões Mangkhut e Yutu fazem parte das crises invisíveis de 2018.
Fonte: Deutsche Welle