segunda-feira, 30 de março de 2020

‘Ceifador da Morte’: a nova espécie de tiranossauro descoberta no Canadá

Impressão artística da espécie de tiranossauro encontrada
O nome do predador – ‘Thanatotheristes degrootorum’ – é inspirado no termo grego para ‘ceifador da morte
Uma nova espécie de tiranossauro que viveu na América do Norte há 80 milhões de anos foi descoberta por cientistas no Canadá.
O dinossauro viveu durante o final do Período Cretáceo, o que o torna a espécie de tiranossauro mais antiga da qual que se tem notícia. Há 50 anos, em 1970, paleontólogos haviam descoberto outra espécie de tiranossauro também no Canadá, chamada de Daspletossauro.
O predador recém-descoberto foi batizado de Thanatotheristes degrootorum — o início do nome é o termo grego para “ceifador da morte”, fazendo referência à figura da morte encapuzada.
“Escolhemos um nome que representa o que foi esse tiranossauro na época em que vivia no que hoje é o Canadá. Ele era o único predador de grande porte a reinar absoluto na região”, diz a paleontóloga e co-autora da pesquisa Darla Zelenitsky, da Universidade de Calgary, no Canadá. “Ele foi apelidado de Thanatos.”
Cientistas dizem que a nova descoberta dá a eles pistas sobre o processo evolutivo dos tiranossauros.
Com 2,4 metros de altura, o animal tinha um porte intimidador. Assim como o fóssil do Daspletossauro e de seus parentes mais próximos, o Thanatos tinha um focinho longo com elevações no crânio e dentes com mais de 7 centímetros de comprimento, afiados como facas.
Um fóssil de um tiranossauro rex no Museu de História Natural de Leiden
Tiranossauros, como o deste fóssil, foram predadores dominantes na terra por milhões de ano
Um fazendeiro local e paleontólogo amador, John DeGroot, foi quem encontrou os primeiros fragmentos fossilizados da cabeça do Thanatos em 2010, ao percorrer uma trilha perto da vila de Hays, na província canadense de Alberta. A segunda parte do nome científico do animal é homenagem ao fazendeiro.
“Ficamos maravilhados ao encontrar a mandíbula. Sabíamos que era algo especial, pois podíamos ver claramente os dentes fossilizados”, disse DeGroot.

Lagartos gigantescos

Os tiranossauros, ou “lagartos tiranos”, eram os maiores predadores terrestres que existiam e dominaram a Terra por milhões de anos até a extinção total dos dinossauros há 65 milhões de anos.
No final do Período Cretáceo, há cerca de 80 milhões de anos, os tiranossauros que habitavam a região da América do Norte se tornaram enormes, mas apenas poucos fósseis foram encontrados.
Os paleontólogos esperam que com esta nova descoberta possam preencher algumas lacunas que ainda impedem melhor compreensão do desenvolvimento da espécie.
“Podemos dizer que existem relativamente poucas espécies de tiranossauros”, diz Zelenitsky.
“Pela da natureza da cadeia alimentar, esses predadores enormes eram raros em comparação com dinossauros herbívoros.”
O estudo sobre o Thanatos foi publicado no mês passado na revista científica Cretaceous Research.
Fonte: BBC

Resumo da Semana: 09 a 15 de Fevereiro de 2020.

Árvores da Amazônia são “cápsulas do tempo” da história humana: entenda (Foto: Victor Caetano Andrade/Trends in Plant Science)
Além da arte, dos documentos e das descobertas arqueológicas, outro fator pode nos dar pistas sobre o passado: as árvores. Em um artigo publicado recentemente no Trends in Plant Science, cientistas que estudaram espécies da Amazônia explicam como algumas plantas podem contribuir para o entendimento da história da humanidade. 
“À medida que as árvores crescem, elas absorvem detalhes sobre o ambiente em sua madeira, criando registos do ambiente ao longo do tempo”, disse o brasileiro Victor Caetano Andrade, que liderou a pesquisa, em comunicado. “Ao combinar técnicas como dendrocronologia (o estudo de anéis das árvores), análise de isótopos de carbono e oxigênio, e genética, podemos obter informações sobre o clima e os eventos mediados por humanos na floresta tropical.”
Mas demorou para os cientistas descobrirem o potencial histórico das florestas tropicais. Há muito considerados barreiras à migração humana e à experimentação agrícola, esses ecossistemas foram chamados até de “desertos verdes”. Felizmente, nas últimas duas décadas, análises em regiões como a Floresta Amazônica mudaram a visão dos especialistas sobre esses cantos do mundo.
“Surpreendentemente, a história negligenciou algumas das maiores e mais antigas testemunhas que as florestas tropicais têm a oferecer: suas árvores”, explicou Caetano Andrade. “Escavações arqueológicas e análises arqueobotânicas levaram a grandes avanços em nosso reconhecimento de vidas humanas passadas nos trópicos, mas as árvores que ainda estão de pé também têm algo a dizer.”
Segundo o especialista, quando as informações biológicas coletadas das árvores são combinadas com os registros arqueológicos e históricos das sociedades nativas da Amazônia, é possível avaliar o passado. Um exemplo disso é a observação de como comunidades indígenas ou invasores estrangeiros administraram a floresta local.
“Quando humanos do passado construíram habitações dentro da floresta, criaram seletivamente buracos no ‘teto da floresta’, permitindo a entrada de luz para cultivar suas espécies de plantas preferidas”, disse Caetano Andrade. “É assim que as sociedades nativas influenciaramm o estabelecimento de árvores em seus territórios.”
Um exemplo claro que pôde ser observado pelos pesquisadores ocorreu durante o período pré-colonial na Amazônia central, onde a população de árvore de castanha brasileira cresceu muito. No entanto, quando os colonos europeus invadiram os trópicos, os indígenas abandonaram a paisagem, levando as castanheiras a pararem de expandir sua população por quase 70 anos. “Isso demonstra como a floresta responde ativamente à ocupação humana ao longo do tempo”, afirmou o especialista.
Pesquisadores retiram amostra de tronco de árvore para análise (Foto: Victor Caetano Andrade/Trends in Plant Science)
Pesquisadores retiram amostra de tronco de árvore para análise (Foto: Victor Caetano Andrade/Trends in Plant Science)
Da mesma forma, analisar o que as sociedades optaram por cultivar também é interessante, já que entende-se que cada grupo promoveu o crescimento de árvores que considerou úteis para alimentação ou construção. “Parte da cultura dessas sociedades é como eles manejam a floresta dentro do ecossistema local”, explicou o Caetano Andrade. “Como as árvores podem viver por centenas de anos, elas registram todos os impactos que os seres humanos estão causando na comunidade florestal circundante.”
É justamente o foco no impacto humano que diferencia essa pesquisa de tantas outras, acreditam os estudiosos. “O trabalho avaliado aqui demonstra duas descobertas importantes: primeiro, que as sociedades humanas, de caçadores-coletores a moradores urbanos, tiveram um papel significativo no cultivo de árvores tropicais no passado; e segundo, que esse papel pode ser observado em árvores que ainda existem hoje”, pontuou Patrick Roberts, que também participou da pesquisa, em declaração à imprensa.
Conservação
A equipe espera que a sua pesquisa incentive a conservação das florestas tropicais, já que preservar esses ecossistemas também significa preservar registros históricos. Além disso, a equipe de Caetano Andrade acredita que suas descobertas mostram que é possível ter um sistema econômico bem-sucedido – sem esgotar os recursos naturais da Amazônia.
“É possível pensar em modelos econômicos que possam manter a floresta em pé”, ressaltou o brasileiro. “A prova é que isso acontece há milhares de anos antes das expansões coloniais, enquanto os povos nativos desenvolviam sistemas econômicos que mantinham e até enriqueciam a floresta. As populações tradicionais que vivem nas margens dos rios das florestas tropicais são os grandes heróis da preservação, pois conhecem a importância de manter a floresta em pé para garantir seu bem-estar.”
Fonte: Revista Galileu

sábado, 28 de março de 2020

Por que os morcegos, considerados possível fonte do coronavírus, transmitem tantas doenças.

morcego-de-ferradura-grande
O morcego-de-ferradura-grande chinês (Rhinolophus ferrumequinum) é considerado o principal suspeito de ser a origem do surto de coronavírus
Embora ainda não se saiba ao certo qual animal é o vetor do surto de coronavírus que surgiu na cidade chinesa de Wuhan e já infectou mais de 25 mil pessoas em todo o mundo, todos os olhos estão voltados para o morcego. Mais recentemente, o pangolin, animal semelhante ao tatu, também chegou a ser apontado como vetor inicial do surto, mas, por serem notoriamente portadores de vários tipos de doenças, os morcegos continuam listados entre as grandes possibilidades.
Esses animais – os únicos mamíferos capazes de voar – já haviam sido a origem de outras epidemias de coronavírus.
No início deste século, eles foram a causa da transmissão da síndrome respiratória aguda grave, mais conhecida como Sars, que infectou mais de 8 mil pessoas, das quais cerca de 800 morreram.
Em meados da década de 2010, os morcegos foram a origem de outra doença respiratória semelhante à Sars: a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), que afetou menos pessoas (cerca de 2,5 mil), mas foi mais letal, causando a morte de mais de 850 pessoas.
Quanto a este novo coronavírus – formalmente chamado 2019-nCoV e agora batizado de covid-19 -, as autoridades chinesas acreditam que ele se originou em um mercado de Wuhan que vendia frutos do mar e carne de animais selvagens, incluindo morcegos e víboras.
Originalmente, pensava-se que as últimas poderiam ser vetores, mas os estudos genéticos descartaram isso.
Além disso, um grupo de cientistas chineses revelou que o 2019-nCoV é quase idêntico aos outros coronavírus transmitidos por morcegos.
Coronavirus
Essa é a aparência do coronavírus, de acordo com esta ilustração criada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos
E, no final de janeiro, o jornal americano The New York Times publicou um relatório sugerindo que o morcego-de-ferradura-grande chinês (Rhinolophus ferrumequinum) poderia ser o principal culpado.
O artigo, escrito pelo jornalista científico James Gorman, destaca que os morcegos são capazes de conviver com vários vírus, sem adoecer. E não apenas o coronavírus.

Transmissor

Os morcegos não apenas transmitem diferentes cepas de coronavírus, um patógeno que em humanos pode causar inflamação pulmonar grave e febre.
Eles também são um reservatório natural de outros vírus, como raiva e Marburg, Nipah e Hendra, que geraram surtos na África, Malásia, Bangladesh e Austrália.
Os cientistas que estudam o processo evolutivo do ebola também acreditam que a doença poderia ter sido originada nesses mamíferos.
Embora não sejam os únicos animais portadores de doenças com potencial de serem transmitidas aos seres humanos – roedores, primatas e aves também são vetores conhecidos – os morcegos costumam causar mais problemas do que outros.
Isso não é realmente sua culpa, alertam os naturalistas. As transmissões geralmente ocorrem quando o ser humano invade os espaços onde habitam, algo cada vez mais frequente à medida que a população aumenta e os espaços naturais são urbanizados.
Também acontece quando esses animais são caçados, para comer ou para serem comercializados, como parece ter acontecido em Wuhan.
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Comer morcegos – como acontece em vários países – é muito perigoso

Perigo

No entanto, o que torna os morcegos particularmente perigosos é sua tolerância a vírus, que excede a de outros mamíferos.
O perigo também é grande pelo fato de serem uma espécie tão numerosa: representam cerca de um quarto de todo os mamíferos existentes. Somente os roedores – que têm uma população com quase o dobro do tamanho – excedem os morcegos em número de indivíduos.
E eles estão por toda parte. O único continente que não tem morcegos é a Antártica.
Além disso, o fato de voarem ajuda a espalhar doenças, principalmente por meio de vírus nas fezes.
Mas por que esses animais são invadidos por patógenos, os organismos capazes de causar doenças?
A resposta parece estar na dieta deles, que consiste em insetos transmissores de doenças.

Tolerância

Quanto à sua capacidade de sobreviver apesar de portar vários vírus, os cientistas continuam a estudar o tema, mas acreditam que encontraram uma possível explicação.
“Pesquisas recentes sugerem que a resposta pode estar na maneira pela qual as adaptações evolutivas dos morcegos, que lhes permitem voar, modificaram seu sistema imunológico”, escreve Gorman.
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O sistema imunológico dos morcegos teria sido adaptado para permitir que eles voassem, acreditam os especialistas
A teoria (proposta por cientistas da China e de Cingapura em 2018) é a de que para a geração de energia suficiente para alçarem voo, as células dos morcegos se rompem e liberam fragmentos de DNA.
Normalmente, o sistema imunológico de um mamífero responde a esses fragmentos como se fossem um organismo invasor e os destrói.
Mas os morcegos parecem ter desenvolvido uma adaptação que modifica a resposta imune de seu organismo, fazendo com que não ataquem esses fragmentos não identificados.
Essa modificação faria seu sistema imunológico agir “efetivamente, mas não de maneira exagerada” na presença de um vírus.

Em alerta

A resistência dos morcegos aos vírus e o fato de existirem em grande número colocam esses animais na mira dos cientistas há anos.
Em 2017, a EcoHealth Alliance, que está na China há uma década e meia estudando doenças que passam de animais para humanos (conhecidas como zoonoses), publicou um relatório na revista Nature alertando sobre os riscos.
“Os morcegos são hospedeiros de uma proporção muito maior de zoonoses em comparação com outros mamíferos”, escreveram especialistas da ONG.
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Os morcegos são os mamíferos mais numerosos, depois dos roedores
No início de 2019, um grupo de cientistas do Instituto Wuhan de Virologia e da Universidade da Academia Chinesa de Ciências, que estudaram coronavírus (CoV no jargão científico) em morcegos alertou diretamente que uma nova infecção era provável.
“Acredita-se que os CoVs originários de morcegos ressurgiram para causar o próximo surto da doença”, previram os cientistas. “Nesse sentido, a China é um ponto provável”, eles detalharam.
Apesar disso, muitos cientistas lembram que os morcegos desempenham um papel importante na natureza.
Eles são essenciais para a polinização de muitas frutas, como bananas, abacates e mangas, e também comem toneladas de insetos vetores de doenças.
Nesse sentido, Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, enfatizou que uma das medidas mais importantes que podem ser tomadas para evitar zoonoses é proibir o comércio de animais selvagens, como a China está fazendo temporariamente.
Fonte: BBC

Essa raia cor de rosa é real ou Photoshop?

A imagem acima foi publicada recentemente pela Australian Geographic. A cor pouco usual da manta, no entanto, chamou a atenção do público, que cogitou a utilização de Photoshop.
O animal é realmente cor de rosa, no entanto, embora seja a única manta (um animal também chamado de jamanta ou raia-diabo) conhecida dessa tonalidade.

Única no mundo

A manta rosa foi descoberta em um mergulho de 2015 realizado por pesquisadores de um projeto dedicado ao estudo desses animais da Universidade de Queensland, na Austrália.
O animal foi nomeado de “Inspetor Clouseau”, em homenagem ao personagem da série de filmes A Pantera Cor-de-Rosa.
Uma análise realizada em 2016 concluiu que a tonalidade da manta não era devido à infecção de pele ou quaisquer doenças, de forma que os cientistas agora acreditam que a coloração estranha seja apenas uma “expressão única da melanina” desta manta em particular.

Dieta?

É possível que ela tenha adquirido essa cor por conta de sua dieta.
Pense nos flamingos: eles não nascem cor de rosa. Na verdade, suas penas são naturalmente cinzas, mas mudam de tonalidade devido a um corante chamado de cantaxantina obtido ao se alimentarem de determinada espécie de camarão de água salgada.
As mantas se alimentam de zooplâncton e ovas de coral em seu habitat natural, os recifes de coral. Os pesquisadores não creem que a tinta rosa seja local, porém.
A “Inspetor Clouseau” foi vista pela primeira vez em Lady Elliot Island, a mais protegida das enseadas de corais da Grande Barreira de Corais na Austrália. Mantas se alimentam nessa região o ano todo.

Em preto, em preto e branco, e agora em preto e rosa

Um dos maiores peixes do mundo, alcançando até 8,8 metros de largura, as mantas possuem melanina, que ocorre em uma variedade de animais, incluindo humanos.
O melanismo, ou o aumento da quantidade de pigmentação em um indivíduo, é raro no mundo marinho. As mantas são os únicos elasmobrânquios a exibir uma coloração toda negra.
A tonalidade em preto e branco é a mais marcante em mantas, mas, ao que tudo indica, elas podem ser pretas e rosa também!
Por enquanto, os cientistas não sabem se a coloração bizarra e exclusiva da “Inspetor Clouseau” tem algum impacto em seu estilo de vida. Vamos ficar de olho! [Forbes]
Fonte: Hypescience

sexta-feira, 27 de março de 2020

Produção de minério de ferro da Vale caiu 21,5% em 2019.

(Dez/2019) Vista aérea da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho
A produção de minério de ferro da Vale registrou uma queda de 21,5% em 2019, devido a interrupções em suas atividades após o rompimento da barragem de Brumadinho, que causou 270 mortes, informou a empresa nesta terça-feira (11).
A Vale, maior produtora mundial de minério de ferro, produziu 301,9 milhões de toneladas deste metal no ano passado, em comparação com 384,6 milhões de toneladas em 2018 (-21,5%), informou a empresa em comunicado.
O rompimento da barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019, causou a “interrupção operacional” em pelo menos outras cinco barragens ao longo do ano e isso, somado às variáveis climáticas, teve “grandes impactos na produção”, segundo a empresa.
No quarto trimestre de 2019, a produção de minério de ferro foi de 78,3 milhões de toneladas, uma queda de 22,4% em relação ao mesmo período do ano anterior, e 9,6% a menos que no terceiro trimestre de 2019.
Para o primeiro trimestre de 2020, a empresa reduziu suas estimativas de produção, prevendo entre 63 e 68 milhões de toneladas. A estimativa anual é mantida entre 340 milhões e 355 milhões de toneladas.
O sinal de que a Vale pode limitar a oferta em 2020 tranquilizou os mercados, que temem que a epidemia do novo coronavírus na China reduza a demanda por minério de ferro, de acordo com a agência de informações financeiras Bloomberg.
As ações da Vale subiam 3,6% nesta terça-feira na Ibovespa.
Fonte: AFP

Himalaia sofre com a poluição causada por humanos desde o século 18.

Himalaia já sofria impacto da ação humana antes da nossa chegada por lá. Na foto, especialistas retiram amostras da geleira de Dasuopu (Foto: Vladimir Mikhalenko/Universidade de Ohio)
Muito antes da cordilheira do Himalaia ser escalada pela primeira vez, em 1953, a atividade humana já alterava sua atmosfera da cadeia montanhosa ao longo do século 18. É o que mostra uma nova pesquisa publicada no PNAS, que sugere que os subprodutos da queima de carvão na Europa atingiram a região durante a Revolução Industrial.
Para realizar a pesquisa, a equipe de especialistas utilizou amostras retiradas da Shishapangma, que com cerca de 8.020 metros de altura é a 14ª montanha mais alta do mundo. O material analisado pertence mais especificamente à geleira Dasuopu, que faz parte do monte, e é o local de maior altitude do mundo, onde os cientistas obtiveram um registro climático extraído a partir de um núcleo de gelo.
Ao estudar a parte interna das geleiras através desses núcleos, os cientistas conseguem estimar registros de queda de neve, circulação atmosférica e outras mudanças ambientais ocorridas ao longo do tempo. Como explicam os pesquisadores, devido às pistas ambientais, é possível deduzir até mesmo o ano em que uma camada da geleira se formou.
A amostra estudada pelos cientistas foi coletada em 1997 e se formou entre 1499 e 1992, o que permitiu à equipe notar a presença de níveis elevados de diversos metais tóxicos nas amostras a partir do início da Revolução Industrial, em 1780. “A Revolução Industrial foi uma revolução no uso de energia”, explicou Paolo Gabrielli, líder do estudo, em comunicado.
“E assim o uso da combustão de carvão também começou a causar emissões que acreditamos terem sido transportadas pelos ventos até o Himalaia”, disse o especialista. Dentre as substâncias encontradas na amostra estão o cádmio, cromo, o níquel e o zinco, que são subprodutos da queima de carvão.
Eles também acreditam que é possível que alguns dos metais, principalmente o zinco, tenham ido parar nas montranhas por conta de incêndios florestais em larga escala. Apesar de ser difícil dizer se essas queimadas ocorreram de forma natural ou não, a época em que os registros foram encontrados no núcleo de gelo corresponde aos anos 1800 e 1900, quando incêndios florestais eram causados para derrubar árvores e dar lugar a fazendas.
A montanha Shishapangma, que com quase 8.020 metros é a 14ª mais alta do mundo (Foto: Wikimedia Commons)
“O que acontece é que, além da Revolução Industrial, a população humana explodiu e se expandiu”, afirmou Gabrielli. “Portanto, havia uma maior necessidade de campos agrícolas — e, normalmente, a maneira como eles obtinham novos campos era queimando florestas.”
A equipe de pesquisadores fez questão de destacar que a poluição causada pelos humanos atingiu os Himalaias antes mesmo de nós chegarmos por lá: os primeiros alpinistas chegaram ao cume do Shishapangma só em 1964. “Os níveis de metais encontrados foram maiores do que o que existiria naturalmente, mas não são altos o suficiente para serem extremamente tóxicos ou venenosos”, pontuou Gabrielli.
Ainda assim, o pesquisador ressalta que a descoberta é um alerta sobre a forma como lidamos com o meio ambuiente. “No futuro, a bioacumulação pode concentrar metais da água que se fundem [derretem] em níveis tóxicos e perigosos para os tecidos de organismos que vivem em ecossistemas abaixo da geleira”, exemplificou o especialista. 
Fonte: Revista Galileu

quinta-feira, 26 de março de 2020

Desmatamento na Amazônia bate recorde em janeiro.

rea desmatada na floresta amazônica em 12 de abril de 1991
O desmatamento na Amazônia dobrou em janeiro em comparação ao mesmo mês do último ano, registrando um aumento de 108% e mais de 280 km2 de áreas degradadas, segundo dados oficiais preliminares divulgados nesta sexta-feira (6).
É a maior área desmatada para um mês de janeiro desde que o sistema DETER entrou em funcionamento em 2015, que alerta sobre o desmatamento por meio de imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em janeiro de 2019, a área desmatada era de 136 km2. Em janeiro de 2018, foi de 183 km2 e, em 2017, foi havia sido 58 km2.
Em meados de janeiro, os dados do Inpe mostraram um aumento de 85% no desmatamento em 2019, o equivalente a 9.166 km2, no primeiro ano do governo Bolsonaro.
Em 2018, o número registrado foi de 4.946 km2.
Bolsonaro gerou uma grande polêmica em agosto ao não considerar de forma tão alarmante o aumento dos incêndios florestais no país perante o mundo.
Em 2 de agosto, o então presidente do Inpe, Ricardo Galvão, foi demitido do cargo depois de ser acusado de ter exagerado sobre a gravidade dos desmatamentos. Em dezembro, Galvão foi considerado pelo periódico científico “Nature” como um dos dez cientistas mais importantes do ano.
Na última quarta-feira, Bolsonaro aprovou e enviou ao Congresso um projeto de lei que permitirá a mineração em terras indígenas, o que, segundo muitas ONGs, incentivaria o desmatamento.
Fonte: AFP

Desmatamento ilegal em latifúndios avança sobre o Cerrado.

Campo de soja faz divisa com área de floresta preservada
Avanço da fronteira agrícola pressiona o Cerrado
De agosto de 2018 a julho de 2019, o desmatamento mapeado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no Cerrado foi de 6,4 mil quilômetros quadrados, o equivalente a quatro vezes o território da cidade de São Paulo.
O Mato Grosso, unidade da federação que concentra a maior área do bioma e que é o maior produtor de soja do país, foi o terceiro estado que mais destruiu, sendo responsável por 14% de todo o desmatamento detectado, do qual 88% feito de forma ilegal e concentrado em latifúndios. Os números foram coletados pelo Instituto Centro de Vida (ICV).
Embora a área do Cerrado desmatada no Mato Grosso tenha se reduzido em 6% em relação ao período anterior, o ritmo da abertura de novas áreas no estado continua “alarmante” na avaliação do ICV.
Para o engenheiro florestal e coordenador de inteligência territorial do instituto, Vinicius Silgueiro, a queda não é significativa, até porque reflete em parte o fato de que mais da metade do Cerrado mato-grossense já foi destruído.
O geólogo, antropólogo e arqueólogo Altair Sales, um dos maiores especialistas em Cerrado do país e que pesquisa o bioma desde a década de 1970, ressalta que a queda “não é nada, porque a destruição do Cerrado no estado já chegou no seu limiar há mais de dez anos”. O que ainda há “são pequenas manchas de vegetação ou de árvores isoladas que não representam comunidades vegetais”.
Somando-se os dados de desmatamento do Cerrado e da Amazônia no estado, o total em 2019 foi de 2.560 quilômetros quadrados, aumento de 10% em relação a 2018, conforme números preliminares do ICV. “Esse cenário mantém o Mato Grosso distante de cumprir o compromisso internacional assumido durante a Conferência do Clima em Paris, em 2015”, diz o relatório da ONG divulgado no início de fevereiro. Na ocasião, o governo estadual se comprometeu a diminuir o desmatamento nesse bioma e atingir 150 quilômetros quadrados ao ano até 2030.
O principal motivo do desmatamento alto, de acordo com o instituto, é o elevado grau de ilegalidade: no período apurado, 88% do desmatamento no Cerrado mato-grossense foi ilegal, uma queda em relação ao período anterior, de 95%, mas ainda um número alto. Em alguns municípios, 100% do desmatamento foi criminoso.
Segundo Silgueiro, chama atenção a crescente concentração do desmatamento ilegal em latifúndios, à medida que foi se reduzindo a fiscalização. Pouco mais de 60% do desmatamento no Cerrado foi em imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e, do desmatamento ilegal detectado nesses imóveis, 64% se concentrou em áreas maiores que 1.500 hectares, um aumento em relação ao período anterior, quando esse número era de 56%. Apenas 1% ocorreu em terras indígenas, e 1%, em áreas de conservação.
“É caro desmatar, precisa de maquinário, mão de obra; custa em torno de dois ou três mil reais por hectare, então isso está sendo feito por gente com poder, ao mesmo tempo em que há menor fiscalização e maior sensação de impunidade”, diz o engenheiro florestal. Desde 2015 o número de autuações do Ibama vem caindo no estado, passando de mais de mil naquele ano para 411 em 2019.
Segundo a professora do departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes Bustamante, que pesquisa o Cerrado desde 1993, a mudança de posicionamento governamental em relação ao meio ambiente também tem impacto no avanço do desmatamento. “O que já vimos no passado é que essas mudanças de discurso, mesmo que não estejam ligadas a uma mudança de legislação, já são suficientes para disparar processos no Brasil profundo. Aqui você encontra órgãos federais e estaduais menos estruturados, e o resultado é este.”
Especulação e agronegócio impulsionam desmatamento
Pela lei, uma porção dos imóveis rurais pode ser desmatada, desde que tenha autorização. No bioma Amazônia, que também está presente em parte do Mato Grosso, apenas 20% de um imóvel rural pode ser desmatado, enquanto o restante deve permanecer como reserva legal. No Cerrado, a relação praticamente se inverte: 35% deve ser reserva legal. Mesmo assim, chama a atenção dos pesquisadores a permanência do alto índice de ilegalidade, apesar das ferramentas disponíveis hoje para monitorar e fiscalizar.
Na avaliação de Bustamante, o padrão de desmatamento ilegal está associado a obras de infraestrutura e ao agronegócio. “Quando você olha os municípios mais afetados, é onde há obras de infraestrutura, como abertura de estradas, para facilitar o escoamento de produção agrícola. Então, tem um braço de infraestrutura, associado à especulação, mas é uma especulação que também está ligada a condições mais favoráveis para a produção agrícola”, explica.
Além de ser um estado com tradição de produção pecuária, o Mato Grosso é o maior produtor de soja do país, tendo respondido por 28% da última safra, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema) disse, por meio de nota, que a valorização do dólar americano é um dos fatores que impulsionam o desmatamento, ao elevar os preços das commodities e pressionar as fronteiras agrícolas. A nota também cita “problemas sociais ligados à regularização ambiental dos assentamentos e especulações fundiárias”. O levantamento do ICV mostra, contudo, que os assentamentos responderam por apenas 9% da área desmatada no último período.
Segundo a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), nos últimos três anos “todos os frigoríficos que operam no bioma amazônico e cerrado no Mato Grosso assinaram Termos de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, comprometendo-se a não comprar gado de produtores que realizam desmatamento nestas áreas”. A Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja) do Mato Grosso foi procurada, mas não retornou o contato.
O Ministério Público do Mato Grosso (MP-MT) realizou entre 2018 e 2019 a Operação Polygonum, que apurou crimes ambientais, muitos relacionados a fraudes no CAR, com o intuito de esconder áreas desmatadas ilegalmente, por exemplo. Ao todo, 69 infratores ambientais foram indiciados, incluindo funcionários da Secretaria de Meio Ambiente do estado.
A Sema informou que, em setembro de 2019, a pasta colocou em ação um “intenso monitoramento de todo território” estadual por meio da Plataforma de Monitoramento da Cobertura Vegetal. A meta é autuar remotamente 100% das ilegalidades.
Cerrado é vital para equilíbrio hidrográfico
Apelidado “caixa d’água” do Brasil, o Cerrado é considerado fundamental para o equilíbrio hídrico de todo o continente sul-americano, já que a maioria das bacias hidrográficas da América do Sul nasce e tem seus principais alimentadores na região.
Segundo o geólogo Sales, com o desmatamento, a água da chuva não se infiltra mais no solo como antes, o que provoca a diminuição drástica dos lençóis subterrâneos, por sua vez causando a diminuição da vazão dos rios e fazendo com que eles desapareçam aos poucos.
“A cada ano que passa, a gente constata pelo menos o desaparecimento de dez pequenos rios na região”, diz o professor. Ele ressalta que os pequenos vestígios de Cerrado intacto que ainda existem no país estão sendo preservados em algumas áreas indígenas, mas mesmo estas estão sob ameaça.
A professora da UnB Bustamante ainda lista a mudança local do clima, já que há redução do retorno de água para a atmosfera, erosão da biodiversidade e mais emissões de carbono, combinando efeitos locais e globais.
Segundo Sales, pecuária e monoculturas como a da soja são atividades incompatíveis com a sobrevivência do Cerrado. “Anteriormente, quando o Cerrado ainda estava preservado, isso [cultivar soja e pastagens] seria perfeitamente possível com um planejamento adequado de ocupação do espaço”, afirma.
Para a preservação do que restou do bioma, a estratégia mais aceita é fortalecer e ampliar áreas de conservação e terras indígenas. “Foi uma estratégia que funcionou muito bem para a Amazônia, mas no Cerrado é um pouco mais complicado porque lá a área é majoritariamente privada. Então, parte da solução do problema passa também pelo setor privado”, afirma Bustamante.
Além disso, seria preciso haver fortalecimento da fiscalização, fazer valer a lei ambiental e eventualmente fazer o manejo das áreas já desmatadas e usadas para o agronegócio para melhor aproveitamento e elevação da produtividade.
Fonte: Deutsche Welle

quinta-feira, 19 de março de 2020

Vaga-lumes estão sob risco de extinção, diz estudo.

 (ruiruito/Getty Images)
A lista de insetos que chamamos de vaga-lumes inclui mais de 2.000 espécies diferentes bem distribuídas pelo globo. Eles são famosos por emitir luz através de reações químicas internas em um processo chamado de bioluminescência, com o objetivo de atrair parceiros e se reproduzir. Enquanto isso, podem também atrair turistas curiosos: em países como Japão, China e Malásia, é comum que os brilhantes rituais de acasalamento dos insetos virem espetáculos para mais de 200 mil pessoas por ano. Mas esses espetáculos estão sob risco: inúmeras espécies do inseto estão enfrentando ameaças de extinção, segundo um novo relatório.
Não há muitos dados sobre o tamanho das populações de todas as espécies de vaga-lumes pelo mundo, mas algumas bastante estudadas, como o vaga-lume europeu comum (Lampyris noctiluca), vêm diminuindo nos últimos anos. Isso levou colocou especialistas em alerta. 
O problema não é exatamente novo: estudos anteriores já haviam apontado para um possível “apocalipse de insetos”, com até 41% de espécies de insetos enfrentando sérios riscos de extinção. Mas o novo estudo focou especialmente nas ameaças a diferentes espécies de vaga-lumes – algo inédito até então.
Há três motivos principais que aumentam o risco de extinção dos bichos, segundos os pesquisadores. O primeiro é a perda de habitat: assim como outros animais, algumas espécies de vaga-lumes dependem de condições específicas para completar seus ciclos de vida. Pteroptyx tener, uma espécie de vaga-lume encontrada na Malásia e conhecida por seus voos brilhantes e sincronizados, por exemplo, está sob sério risco porque é adaptada ao manguezal do país. Nas últimas décadas, os mangues malasianos vêm sendo substituídos por plantações de óleo de palma.
O segundo motivo é o que mais surpreendeu os cientistas: poluição luminosa. Já se sabe que as luzes artificiais afetam os ritmos de diversos animais (incluindo os próprios humanos), mas elas são especialmente danosas para os vaga-lumes, que utilizam suas próprias luzes para atrair parceiros. Em um mundo onde pelo menos 23% da superfície é constantemente iluminada, esse processo fica mais difícil para os animais.
Outra ameaça é o aumento do uso de inseticidas. A maioria dos vaga-lumes passa por estágios larvais, em que ficam enterrados ou debaixo da água por até dois anos enquanto se desenvolvem. É nesse período que os insetos estão mais vulneráveis a inseticidas como neonicotinóides ou organofosfato – que são usados para matar pestes, mas que podem acabar afetando também insetos benéficos, incluindo os vaga-lumes.
A pesquisa também identificou algumas espécies que parecem estar especialmente ameaçadas. A Phausis reticulata, conhecidos como “fantasma azul” pelo forte brilho colorido que emite, está sob sério risco. Tudo porque as fêmeas da espécie não têm asas e dificilmente conseguem migrar de habitat caso ele seja destruído.
Por sorte, nem todos estão na pior. O Photinus pyralis, uma espécie de vaga-lume bastante comum na América do Norte, parece estar resistindo às ameaças e se adaptando a diferentes locais. Mas o problema permanece, e cientistas e ativistas vêm pensando em estratégias para preservar esses insetos tão únicos.
“Nosso objetivo é disponibilizar esse conhecimento para donos de terras, para quem cria políticas públicas e para fãs de vaga-lume em todo o mundo”, diz Sonny Wong, da Sociedade Natural da Malásia e coautor do novo artigo. “Queremos manter os vaga-lumes iluminando nossas noites por muito, muito tempo”.
Fonte: Bruno Carbinatto – Super Interessante

A luta pela sobrevivência das onças da Caatinga.

Onça-parda da Caatinga
A onça-parda da Caatinga é uma das espécies da região que está ameaçada de extinção
Encontrar onças na Caatinga é uma tarefa dificílima por alguns motivos: elas são animais raros vivendo em uma grande extensão de terra; elas não gostam muito de se aproximar de humanos; e, mais importante, a presença das duas espécies típicas da área, a parda e a pintada, tem diminuído nos últimos anos, o que as colocou em sério risco de extinção.
Hoje, estima-se que existam apenas 30 onças-pintadas e 180 pardas na região do Boqueirão da Onça, no norte da Bahia, ponto com maior incidência desses grandes felinos na Caatinga nordestina. Em 2008, data da estimativa anterior, havia 50 pintadas e 200 pardas na área — ou seja, houve uma queda de 40% no número de indivíduos da primeira, e de 10% da segunda.
Os dados são do Programa Amigos da Onça, projeto de estudo e conservação dos felinos da Caatinga, filiado ao Instituto Pró-Carnívoros.
Para especialistas e biólogos que atuam na região, além da caça ilegal, as onças enfrentam dois desafios: o conflito com o ser humano e o atual aumento de fazendas de geração de energia eólica — o recurso tem baixo impacto ambiental em comparação com as hidro e termoelétricas, mas eles não são nulos. O Nordeste corresponde a 86% de toda energia eólica produzida no Brasil.

Conservação x energia eólica

Há dois anos, uma área de 347 mil hectares do Boqueirão da Onça foi transformada em parque nacional por um decreto do então presidente Michel Temer (MDB). Isso significa que a fauna e a flora dentro dos limites do parque devem ser conservadas sem nenhum tipo de exploração.
A criação do parque foi vista como boa notícia para as espécies em extinção na Caatinga, como a própria onça, a arara-azul-de-lear e o tatu-bola.
Por outro lado, uma área maior, de 505 mil hectares, foi transformada em Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão. Diferente do que acontece com o parque, essa classificação permite exploração comercial desde que os planos de manejo sustentável sejam respeitados.
Boqueirão da Onça, no norte da Bahia
O Boqueirão da Onça, no norte da Bahia, tem cerca de 30 onças-pintadas e 180 pardas, segundo estimativa de ONG
Inicialmente, a esperança dos ambientalistas era de que todo o Boqueirão da Onça virasse um parque nacional — ou seja, isso garantiria mais espaço para a preservação total do bioma e dos animais.
Mas a região é muito visada por empresas de geração de energia eólica, que têm cada vez mais instalado fazendas por ali. Portanto, a criação da APA foi benéfica para as companhias, que agora podem explorar o potencial energético da área.
“O Boqueirão é um filé mignon para essas empresas, pois ele tem um grande potencial de geração de energia. Há muitos pontos de morro, onde há uma incidência constante de ventos de boa velocidade”, explica Felipe Melo, pesquisador em Ecologia da Universidade Federal de Pernambuco, que estuda os impactos ambientais da energia eólica na Caatinga.
Para se instalar em uma APA, as companhias precisam de licenças ambientais e relatórios de impactos, embora estudos mais aprofundados sobre como as onças são afetadas pelas torres e linhas de transmissão ainda estejam em estágio inicial.
Porém, pesquisadores já têm notado que a proliferação das fazendas de energia e a maior presença de seres humanos no habitat estão diminuindo o espaço disponível para as onças caçarem suas presas naturais — obviamente, os animais não respeitam os limites burocráticos que separam a APA do parque nacional de conservação. A longo prazo, dizem biólogos, o encurtamento do território pode afetar o bem-estar e até a sobrevivência desses grandes felinos.
“As onças da Caatinga são muito sensíveis a qualquer alteração em seu habitat”, explica a bióloga Claudia B. Campos, ex-coordenadora e atual colaboradora do projeto Amigos da Onça. “A parda até tolera um pouco mais a presença humana. Já a pintada, não. Ela dificilmente vai até pontos onde há intervenção ou presença do homem.”
Fazendas eólicas no município de João Câmara
Nordeste é responsável por 86% da produção de energia eólica do Brasil
A bióloga Carolina Franco Esteves, também pesquisadora do Programa Amigos da Onça, conta que o projeto conseguiu monitorar as andanças de uma onça-parda, apelidada de Vitória, por meio de coleiras de rastreamento.
“Em 10 meses de monitoramento, percebemos que em nenhum momento ela se aproximou das torres de geração de energia”, afirmou à BBC News Brasil. “Quando queria chegar em algum ponto para caçar ou beber água, ela dava uma volta por fora das torres, mesmo que não houvesse ninguém por ali.”
Para Melo, esses impactos negativos “poderiam ser minimizados” se as empresas que atuam na Caatinga “dialogassem” mais com entidades e órgãos de conservação. “A energia eólica tem menos impacto ambiental, mas não significa que não exista. É preciso saber exatamente como áreas sensíveis são afetadas e tentar diminuir esses impactos, e não escondê-los”, diz.
Em nota, a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) afirmou que “tem monitorado constantemente” comunidades de animais silvestres nas região do Boqueirão.
“Isso ajudará, de forma bastante significativa a médio e longo prazo, a monitorar e compreender os reais fatores que podem contribuir com quaisquer alterações de riqueza das espécies”, diz a entidade.
A associação também afirma que as fazendas de geração de energia, além de evitar incêndios e gerar renda para produtores rurais, também “inibem a presença de caçadores e a supressão ilegal (de vegetação), ameaças concretas à preservação destes animais”.

Onças x rebanhos

Além das torres de energia, as onças da Caatinga enfrentam outro desafio, segundo pesquisadores: o conflito direto com o homem. A caça ilegal para a venda de pele, por exemplo, já matou muitos indivíduos, principalmente nos anos 1970, segundo a bióloga Claudia B. Campos.
A ONG Amigos da Onça construiu 18 currais para criadores da região do Boqueirão da Onça
A ONG Amigos da Onça construiu 18 currais para criadores da região do Boqueirão da Onça
Já a caça de outros animais, como veados e porcos do mato, continua afetando os felinos diretamente, pois eles ficam com menos recursos para se alimentar.
Outro tipo de conflito também tem atrapalhado a sobrevivência das onças na Caatinga: a competição com criadores de ovinos e caprinos de seis pequenas cidades que estão dentro do perímetro do Boqueirão.
“A Caatinga tem praticamente duas estações no ano: chuva e seca. Na época da seca, os criadores têm dificuldade para alimentar e prover água para o rebanho. Por isso, os animais ficam soltos para encontrar alimento”, explica Campos. “Então, há o encontro entre a onça e o rebanho. E, obviamente, o predador vai atacar os animais.”
Os pesquisadores notaram que a perda dos bichos fazia com que alguns criadores procurassem os felinos para abatê-los — muitas vezes com sucesso. A esperança deles era de que, sem onças por perto, o rebanho ficasse livre de infortúnios.
A caça ilegal e o abate frequente são trágicos para a preservação das duas espécies, pois a população não consegue se reproduzir no mesmo ritmo das mortes. Cada fêmea só procria a cada dois anos, e tem uma gestação de três meses — depois, ela ainda fica até um ano e meio cuidando do filhote.
Para tentar diminuir esses conflitos, o Programa Amigos da Onça procurou os moradores para explicar a importância da conservação das espécies — parte deles já se engajou na proteção aos felinos. Nos últimos anos, a ONG construiu 18 currais para agricultores de duas comunidades da região.
Onça-parda da Caatinga
A onça-parda tolera um pouco mais a presença humana na Caatinga, segundo biólogos
“A ideia é diminuir o tempo em que os rebanhos ficam expostos na Caatinga, principalmente à noite, quando as onças normalmente saem para caçar”, explica a bióloga Carolina Franco Esteves.
Um estudo da ONG apontou que as estruturas construídas conseguiram reduzir em até 23% o número de perdas de animais de rebanhos — o que acaba tirando os felinos do foco dos agricultores.
Por outro lado, a pobreza e a falta de serviços públicos na região do Boqueirão da Onça, como ocorre em praticamente toda a Caatinga, tornou-se um empecilho para a conservação do bioma.
“Percebemos que, muitas vezes, a revolta dos moradores não era necessariamente contra o bicho, mas contra a condição de vida precária e com pouca assistência do Estado. A onça acaba virando uma espécie de bode-expiatório para outras mazelas”, explica Claudia Martins, agrônoma do Instituto Pró-Carnívoros e pesquisadora da Universidade Federal do Vale do São Francisco.
Onça-pintada na Caatinga
Mais rara na Caatinga, onça-pintada normalmente sai para caçar à noite – imagens do animal são obtidas por meio de ‘armadilhas fotográficas’
“É um grande desafio você chegar em um lugar bastante carente e falar: ‘pessoal, vamos pensar na onça’. As pessoas estão mais preocupadas com as necessidades básicas: se vão ter o que comer, se vão conseguir passar no médico, se terá escola para o filho. Esse diálogo é difícil, mas aos poucos temos conseguido o apoio de muitos moradores”, diz Martins.

‘Exercício de paciência’

Estudar o comportamento das onças e como elas são afetadas por esses problemas também não é tarefa fácil. A captura de um animal para monitoramento, por exemplo, exige uma equipe formada por biólogos, veterinários e mateiros. Eles chegam a ficar 30 dias acampados na Caatinga.
“O Boqueirão é uma área muito grande com poucos indivíduos de onça. Em média, uma campanha de 30 dias consegue capturar apenas um animal, usando armadilhas”, diz Claudia B. Campos.
Segundo ela, um acampamento desses chega a custar R$ 60 mil em estrutura e pegamento de pessoal. “É um exercício de paciência, e nem sempre dá certo. É preciso conhecer bem a região e ter um pouco de sorte, também”, afirma a bióloga.
Fonte: BBC