A China está pagando pelo descuido ambiental. Cerca de 70% dos rios
estão poluídos e 320 milhões de pessoas bebem água contaminada
O Brasil é um país privilegiado num planeta
sedento. Tem cerca de 14% de toda a água doce que circula pela superfície da Terra.
Mas a distribuição dessa abundância é desigual. Cerca de 80% da água disponível
está na Bacia Amazônica, daí a preocupação dos especialistas da ONU com a Bacia
do Prata. A maior parte da população – e da atividade econômica – do país está
em grandes centros urbanos dessa bacia, onde a oferta de líquido potável é cada
vez mais escassa. A maior cidade do país, São Paulo, está perto do limite. O
volume de água de rios e represas disponível hoje é praticamente igual à
demanda da população. A metrópole, de certa forma, já importa água. As represas
da região metropolitana, abastecidas por nascentes como a do Centro Artemísia,
só dão conta de metade do consumo da cidade. O resto é bombeado da Bacia dos
Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, cujas águas naturalmente correriam pelo
interior do Estado, ao largo da cidade.
De acordo com Dilma Pena, secretária de Saneamento
e Energia do Estado de São Paulo, é preciso buscar novas fontes de água para a
cidade. “Caso contrário, em cinco anos faltará água na região”, diz ela. Um dos
projetos do gabinete de Dilma é ampliar a estação que vai buscar água explorana
região do Alto Rio Tietê, a 36 quilômetros da capital, a última fonte possível
para os paulistanos. Se o consumo continuar crescendo no ritmo atual, será
preciso buscar mais água até 2025. “Ela deverá ser captada no interior ou até
em outros Estados, o que torna tudo mais caro”, diz Dilma.
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LÍQUIDO
João Guimarães,
da Boticário, em uma nascente de São Paulo. Ele tenta convencer os
proprietários a preservar os mananciais.
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A disputa pela água no Brasil já vai muito além dos
casos conhecidos no Agreste nordestino. O estudo da ONU menciona conflitos pelo
uso da água dos rios Paraíba do Sul, Piracicaba, Capivari – na Região Sudeste.
“Na Região Sul, as áreas de conflito mais visível resultam da demanda para
irrigar campos de arroz e da degradação da qualidade da água, especialmente nas
áreas de criação intensiva de gado”, diz o relatório. A disputa afeta cidades
como Santo Antônio da Patrulha, Gravataí, Alvorada e Cachoeirinha, na região
metropolitana de Porto Alegre. A área, que reúne 650 mil habitantes, é
abastecida pelo Rio Jacuí. No verão, a estiagem faz a vazão do rio cair 40%.
Plantadores de arroz, situados acima dos pontos de captação de água para as
cidades, aumentam o bombeamento para irrigar suas lavouras. O resultado é que
as cidades ficam sem água. “Nos anos mais críticos, o Ministério Público
precisa intervir para garantir a prioridade da população”, afirma o diretor do
Departamento Municipal de Água e Esgoto, Flavio Presser.
Os países debatem hoje a melhor forma de gerenciar
a água, um recurso cada vez mais escasso. A tendência mundial é recorrer à
iniciativa privada. Em 1980, o mundo tinha 12 milhões de domicílios atendidos
por concessionárias privadas. Hoje, são 600 milhões. A Inglaterra, a França e o
Chile foram pioneiros. Quase todo o negócio mundial de gestão de água está nas
mãos de duas empresas francesas. A maior delas, a Veolia, faturou US$ 13
bilhões no ano passado. A segunda, a Suez, ganhou US$ 7,5 bilhões em negócios
com água. O setor apresenta grandes oportunidades. O banco de investimentos JP
Morgan calcula que as concessões municipais de água geraram US$ 465 bilhões em
2006. Até 2015, segundo o JP Morgan, o negócio deverá envolver US$ 1,2 trilhão.
Os defensores da privatização afirmam que só ela é
capaz de gerar recursos para a exploração e gestão da água. Trata-se de um
fator essencial no caso de países como o Brasil, onde o desafio ainda é
garantir água tratada para todos. Hoje, 10,7% dos domicílios do país não têm
água encanada e 23,3% não contam com rede de esgotos. O Ministério das Cidades
estima que seria preciso investir R$ 178 bilhões para que os brasileiros tenham
água e esgoto até 2020. O modelo de privatização ainda precisa de ajustes. Há
seis anos, o governo do Amazonas licenciou para a Suez o abastecimento de
Manaus. O serviço ainda está longe do ideal. Cerca de 15% da população não
recebe água em casa e 230 mil pessoas recebem água menos de 12 horas por dia.
Mais de 90% da população não tem tratamento de esgoto. E a tarifa é considerada
elevada.
Privatizando ou não o serviço de fornecimento, a
escassez crescente tornará inevitável estabelecer um preço para a água que vem
dos cursos naturais, como rios e lagos. No Brasil, há iniciativas como o Comitê
de Bacias do Rio Paraíba do Sul, uma região que concentra indústrias entre o
Rio de Janeiro e São Paulo. Há quatro anos, as empresas instaladas na região
pagam para tirar água do rio e para devolvê-la à rede de esgoto. Quanto mais
poluída estiver a água, maior o preço. Isso incentivou a implantação de métodos
mais eficientes para usar o recurso, diminuindo o consumo e aumentando o índice
de reutilização de água. “O objetivo de cobrar pela captação, pelo consumo e
pelo lançamento da água não é arrecadar fundos para resolver o saneamento, mas
criar uma cultura em relação a esse tema”, diz a secretária-executiva do Comitê
da Bacia do Rio Paraíba do Sul, Maria Aparecida Vargas.
Cuidar da gestão da água é essencial para garantir
os recursos necessários ao crescimento econômico. Basta analisar a experiência
da China. O país, que resgatou milhões de pessoas da miséria nos últimos anos,
agora enfrenta os limites de seus recursos hídricos. Para sustentar a
superpopulação de 1,3 bilhão de habitantes e o consumo crescente das
indústrias, a China usa água de forma insustentável – e paga o preço. Os
lençóis subterrâneos da capital, Pequim, diminuem 2 metros por ano. Um terço
dos poços da região metropolitana já secou. A agricultura também está
comprometida. Na região que se estende do norte de Xangai ao norte de Pequim,
responsável pela produção de 40% dos grãos chineses, o lençol freático cai a
uma taxa média de 1,5 metro por ano. Os fazendeiros do norte enfrentam perdas
tanto pela exaustão dos aqüíferos quanto pelo desvio da água para cidades e
indústrias. A demanda levou a China a construir canais para transpor as águas
do Rio Yang-Tsé para o Rio Amarelo. A obra, de US$ 60 bilhões, é considerada
uma das maiores do mundo.
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