Quem quiser entender como a humanidade poderá vencer a escassez de água
deve olhar para um exemplo no planeta – o minúsculo Estado de Israel
ALEXANDRE MANSUR, DE TEL-AVIV
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O engenheiro Diego Berger, da empresa nacional de
abastecimento de Israel, a Mekorot, começa de forma bem-humorada uma
apresentação de slides que mostra os feitos de seu país no gerenciamento de
recursos hídricos. “O povo de Israel historicamente apresenta soluções
inovadoras para os problemas da água”, afirma. Ele então exibe na tela uma
ilustração da passagem bíblica em que Moisés tira água da pedra com um cajado.
Na cena seguinte, outra imagem do Antigo Testamento: Moisés abre o Mar
Vermelho. “Nas últimas décadas, porém, nossa tecnologia foi bastante
aprimorada”, diz Berger. A platéia ri.
A empresa de Berger é um exemplo de boa gestão da
água. O sistema de abastecimento da Mekorot no país tem duas redes distintas. A
primeira leva água potável para o consumo das casas, dos escritórios e
indústrias. A outra rede irriga as plantações com a água recolhida de esgotos e
tratada. Cerca de 72% da água tem segundo uso. Trata-se de um índice de reúso
sem par no mundo. O país mais próximo disso, a Espanha, recicla apenas 12% da
água.
Os israelenses precisaram se adaptar a uma faixa de
terra que no sul é desértica e no norte, a área mais úmida, apresenta índices
de precipitação equivalentes aos da região semi-árida no Brasil. Ainda assim,
abastecem a população e exportam produtos agrícolas. A tecnologia para
tratamento e reciclagem da água é vista pelos israelenses como uma vantagem no
mundo globalizado. “Nossa vocação é virar a referência mundial no tema”, diz
Booky Oren, coordenador da Watec, uma feira de tecnologias ligadas a tratamento
de água que começará no mês de novembro. A feira pretende atrair milhares de
visitantes. As duas centenas de empresas de água do país já exportaram US$ 900
milhões no ano passado. O setor tende a crescer com a crise global de água. E
os israelenses são a maior referência mundial no assunto.
A idéia de promover as indústrias de água do país
foi de Oded Distel, diretor de investimentos internacionais do Ministério da
Indústria, Comércio e Trabalho. Em 2002, quando ele era adido comercial na
Grécia, tentou vender uma instalação de tratamento de lixo para a ilha de
Chipre. “Não ganhamos o contrato, mas compreendi claramente que não podíamos
ficar fora daquele mercado”, diz. Ele conta que, na última década, Israel
exportou empresas de segurança privada, explorando a imagem de eficiência do
Mossad, o serviço de Inteligência do país. Agora o objetivo é fazer o mesmo
marketing com a água. “É bem mais fácil de vender. Nosso sucesso com os
recursos hídricos não tem lado negativo”, afirma Distel.
Israel entrou no mercado internacional de água no
início dos anos 60, quando os fazendeiros desenvolveram um novo sistema de
irrigação, por gotejamento. Em vez de despejar a água diretamente no solo,
tubos de plástico com furos deixam passar, gota a gota, a quantidade mínima
para o crescimento das plantas. Isso reduz a perda por evaporação e a
salinização do solo. A técnica permitiu um uso mais eficiente da água. Hoje,
mais de 80% da produção agrícola de Israel é exportada. E o país passou a
vender a tecnologia de gotejamento. Estima-se que as empresas israelenses
controlam metade do mercado mundial desse tipo de irrigação, que movimenta US$
1,2 bilhão por ano.
Para incentivar o desenvolvimento de inovações, o governo israelense
destinou US$ 2,2 milhões para incubadoras de empresas do setor de tecnologia de
água
O orgulho mais recente dos israelenses é sua
indústria de dessalinização da água do mar. Próxima à conflagrada Faixa de
Gaza, a usina de Ashkelon, de US$ 250 milhões, foi inaugurada no fim de 2005,
às margens do Mediterrâneo. Ela é a maior do mundo em seu gênero. Produz o
suficiente para abastecer uma cidade de 1 milhão de pessoas. A água captada no
mar é injetada em alta pressão dentro de 40 mil tubos de plástico. No interior
deles, um feixe de membranas, como as camadas de um palmito, extraem o sal da
água. O líquido que sai do outro lado é tão puro que os técnicos precisam
adicionar de volta alguns sais minerais que compõem a água potável comum.
O governo pretende instalar duas outras grandes
usinas como essa. Hoje, as 31 usinas de dessalinização do país produzem 15% da
água que a população consome. A meta é chegar a 40% nos próximos cinco anos.
Com uma usina de dessalinização própria, o kibutz – uma espécie de fazenda
coletiva – Ma’agan Mikhael, um dos mais ricos do país, situado no litoral,
retira água salobra do subsolo arenoso. Com ela, produz morangos suculentos
como os da Califórnia e cria carpas para exportação.
Embora representem o que existe de mais avançado em
reciclagem de água, as tecnologias israelenses não podem ser vistas como
solução para todos. Antes de pensar em dessalinizar água do mar, países como o
Brasil podem investir em soluções mais simples, como reduzir o vazamento na
rede de distribuição. A verdadeira lição de Israel foi ter enfrentado
limitações de recursos naturais criando uma política de incentivo à inovação
tecnológica. Israel investe 4,8% do PIB em pesquisa e desenvolvimento,
porcentual superior à de quase todos os países desenvolvidos.
SAL DA TERRA
Oded Distel exibe
uma usina de dessalinização de água do Mediterrâneo. É a maior instalação do
tipo no mundo
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A maior parte desse dinheiro é disputada por
centros de pesquisas e incubadoras de empresas, para estimular a
competitividade. O governo paga apenas 35% do orçamento do Instituto Weizmann,
um dos principais centros de pesquisa do país. Os pesquisadores têm de buscar
recursos na indústria ou em fundos privados. Isso gera pesquisas mais
conectadas com a necessidade das empresas. E estimula pesquisadores e
engenheiros a lançar seus produtos no mercado. No fim do ano passado, cerca de
108 pequenas empresas chegaram ao mercado com tecnologias inovadoras de água.
Segundo o governo, investidores aplicaram US$ 1,2 bilhão em 2005 para
capitalizar empresas do setor. Nos próximos três anos, o governo destinará US$
2,2 milhões para incubar ainda mais negócios na área.
As empresas geram
produtos que chamam a atenção no mercado internacional. Um deles é um depurador
industrial de água que mata os microrganismos usando raios ultravioleta. O
processo, recentemente patenteado por um grupo de pesquisadores da empresa
Atlantium, chegou ao mercado em 2006. No início do ano, a companhia foi
apontada pela revista de negócios e tecnologia americana Red Herring como uma
das cem mais promissoras do mundo. Eles têm em quem se mirar. Há duas décadas,
um grupo de engenheiros do kibutz Amiad desenvolveu um filtro com cartuchos
revestidos de membranas de tecido sintético que é autolimpante. A tecnologia
hoje sustenta uma empresa que exporta filtros de US$ 30 mil para agricultores
na Austrália e fatura cerca de US$ 40 milhões por ano. Para o Brasil, que tem a
maior bacia hidrográfica do mundo, Israel serve como exemplo de país que
constrói sua competitividade a partir não da abundância de recursos naturais,
mas justamente de sua escassez.
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