segunda-feira, 30 de outubro de 2017

PAIS

A parte que nos cabe no aumento das emissões de carbono do país.

O relatório divulgado nesta semana pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), iniciativa do Observatório do Clima, que põe o Brasil no sétimo lugar  no ranking dos países que mais poluem em todo o mundo, tem vários pontos de reflexão sob o aspecto socioeconômico. Vale a pena repetir na íntegra um dos trechos do estudo que mais chama a atenção para o fato de que, diferentemente do que julga o senso comum, o desenvolvimento e progresso de uma nação não leva, necessariamente, a uma alta de emissões de carbono. E vice-versa, vejam só:
“O Brasil se torna, assim, a única grande economia do mundo a aumentar a poluição sem gerar riqueza para sua sociedade. A elevação nas emissões no ano passado se deveu à alta de 27% no desmatamento na Amazônia. As emissões por mudança de uso da terra cresceram 23% no ano passado, respondendo por 51% de todos os gases de efeito estufa que o Brasil lançou no ar. Por outro lado, quase todos os outros setores da economia tiveram queda nas emissões. A mais expressiva foi no setor de energia, que viu um recuo de 7,3% – a maior baixa em um ano desde o início da série histórica, em 1970. O setor de processos industriais teve redução de 5,9%, e o de resíduos, 0,7%. As emissões da agropecuária subiram 1,7%. Hoje, a atividade agropecuária é, de longe, a principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa no país: ela respondeu por 74% das emissões nacionais em 2016, somando as emissões diretas da agropecuária (22%) e as emissões por mudança de uso da terra (51%). Se fosse um país, o agronegócio brasileiro seria o oitavo maior poluidor do planeta, com emissões brutas de 1,6 bilhão de toneladas (acima do Japão, com 1,3 bilhão). Entre 1990 e 2016, o setor de uso da terra no Brasil emitiu mais de 50 bilhões de toneladas de CO2, o equivalente a um ano de emissões mundiais”
Parei nesse ponto e decidi trazer para os leitores algumas reflexões a respeito do papel desse poluente setor na vida dos brasileiros. A primeira informação importante que compartilho eu consegui no site do Canal Rural,  onde há o dado, recente, de que a exploração de carne bovina vem reagindo muito bem à crise econômica, política, institucional pela qual o país vem atravessando. No último mês de agosto, os produtores comemoraram o maior embarque mensal dos últimos dez anos: em carne bovina in natura foram exportadas 123,1 mil toneladas, o que significa 49,4% a mais do que as 82,4 mil toneladas do mês de agosto do ano passado e 15,7% acima das 106,4 mil toneladas embarcadas em julho.
Sendo assim, já se descarta um pouco dos ombros dos brasileiros a responsabilidade pela alta das emissões de carbono. Afinal, a carne do gado que ajuda a aumentar o desmatamento e produz o metano, o que, consequentemente, eleva o nível de gases poluentes na atmosfera, é consumida por pessoas de outros países. União Europeia, China, Egito e Rússia encabeçam as nações que mais importam carne do Brasil. O problema é que, na contagem das emissões, acaba que nós é que estamos a ostentar o sétimo lugar num ranking que não nos deixa orgulhosos de forma alguma.
De qualquer maneira, vamos também levar em conta que há consumo dos brasileiros de carnes que vêm dos bois e vacas e que causam tanto desmatamento. Brasileiro gosta de um churrasco, não é verdade? É só caminhar pelas ruas do Centro do Rio, por exemplo, para ver anúncios de restaurantes a preços bem baixos oferecendo dois tipos de “carnes de churrasco” diferentes. Mais do que um legume bem feito, uma boa massa, ou o próprio feijão com arroz, que se diz ser o prato típico do carioca, é a oferta da quantidade de carnes que costuma qualificar o restaurante nessas redondezas, onde impera um público heterogêneo.
Conversei sobre o assunto com Carolina Liberato, nutricionista que há anos vem se especializando em preparar cardápios para creches e escolas, tanto públicas quanto particulares, a quem já entrevistei para este espaço sobre outro assunto bem espinhoso, a obesidade. Aqui, abro um parêntesis para contar a vocês que há quase uma década eliminei a carne vermelha do meu cardápio. E a diferença que senti foi para melhor: minha saúde melhorou bastante. Mas tenho uma curiosidade que imagino ser a mesma que muitas mães com filhos pequenos devem ter: qual o papel da carne vermelha na nutrição da primeira infância? É fundamental que crianças de zero a 6 anos comam carne?
“Sim, a carne vermelha tem dez aminoácidos que são importantes para essa primeira infância. É possível, mas não é tão fácil montar um cardápio equilibrado sem carne vermelha para as crianças dessa idade. Tem que ser uma proposta vinda de casa, de pais vegetarianos, porque será necessário fazer uma combinação muito bem amarrada para que a criança não tenha deficiências”, explicou-me Carolina.
A partir daí, no entanto, a carne vermelha não tem nada que seja essencial para os humanos, muito ao contrário. O carro-chefe dos problemas que o consumo exagerado pode causar é o câncer, causado por um fato bem simples de ser explicado:
“Antes do processo de absorção, a carne vermelha entra em putrefação no túnel que vai da boca ao ânus, e aí é que pode acontecer o câncer”, disse ela.
E o que comer no lugar da carne? Ah, muitas coisas. Carolina me contou que o ovo, por exemplo, está sendo considerado o segundo melhor alimento depois do leite materno. Mas, claro, não é qualquer ovo. Estão excluídos da lista aqueles ovos postos por galinhas criadas em cubículos e que tomam quantidades absurdas de hormônios para botar ovo diariamente:
“Ovo é a menstruação da galinha, ela bota uma vez no mês, e só. A galinha precisa ser criada ciscando, solta, feliz, para poder proporcionar a nós, humanos, esse alimento tão rico em nutrientes”, diz Carolina.
E, a quem interessar possa, a nutricionista está comemorando o fato de que, de uns três anos para cá, com a quantidade absurda de informações que chegam a todos, há uma conscientização cada vez maior sobre a qualidade dos alimentos.
“Numa das creches onde trabalho, na qual oferecemos ovo uma vez por semana, antigamente as mães questionavam isso, mas hoje em dia elas já absorvem bem. Não posso dizer o mesmo, porém, de alguns funcionários. No dia do ovo, eles trazem comida de casa, com carne, porque não podem ficar sem este alimento”, diz Carolina.
A mudança  de comportamento tem sido devagar, mas está acontecendo. Talvez não seja o suficiente para tirar o país do ranking de grandes poluentes porque há outras questões envolvidas, como se pode observar no relatório do Seeg, mas pode ajudar. Termino o texto com o comentário técnico do coordenador Tasso Azevedo, um dos responsáveis pelo relatório:
“As emissões ligadas à atividade agropecuária quase sempre representaram 70% ou mais das emissões totais do Brasil. Mas elas podem chegar a zero com decisões nossas”.
Ele não fala sobre o consumo de carne, mas em zerar o desmatamento e expandir a agricultura de baixo carbono a toda a agropecuária. Isso implica um melhor ambiente para o agronegócio, mais renda para o produtor e menos risco de secas e queimadas. De qualquer maneira, pode ser uma ajuda.
Fonte: G1

Nenhum comentário:

Postar um comentário