segunda-feira, 7 de maio de 2018

Estratégia para conviver com a seca no sertão.

Canindé de São Francisco (04/05/2018) – Era raro ver a água sair das torneiras das casas do assentamento Florestan Fernandes, uma comunidade coberta pela Caatinga, onde vivem 46 famílias, no alto sertão de Sergipe. O pedreiro Fábio Gouveia, 40 anos, mora na pequena vila e conta que, apesar do sistema de encanamentos da região, o abastecimento era escasso, em especial nos longos meses de seca. “Sempre faltava água, a gente já sabe como é”, recorda-se.
A realidade do assentamento começou a mudar com a implantação da Unidade de Recuperação de Áreas Degradadas (Urad), uma estratégia do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para conter a desertificação e reduzir a vulnerabilidade climática no semiárido brasileiro. Com a iniciativa, uma cisterna que armazena 16 mil litros de água da chuva foi instalada no quintal de Fábio. “É o suficiente para beber, escovar os dentes e cozinhar”, enumera.
O reservatório construído na casa de Fábio é apenas uma das várias soluções levadas pela Urad, que começou a ser implantada em Sergipe e, em breve, chegará a outros estados do semiárido. Em cada unidade, são implantadas ações ambientais, sociais e produtivas. Além das cisternas, as intervenções incluem cordões de pedras para conter a erosão, barragens para evitar o assoreamento e técnicas de conservação do solo e produção agrícola.
NASCENTES
A água desapareceu em uma vala coberta por terra onde passava um córrego na Serra da Guia, um território quilombola próximo à divisa de Sergipe com a Bahia. Dona Zefa da Guia, 73, é uma liderança local e relembra os tempos de abundância. “A gente ficava aqui lavando roupa a vida toda”, descreve. “Esse riacho já ouviu muita história, briga de mulher, enciumando os maridos”, ela ri, enquanto aponta para as pedras antes usadas para esfregar e quarar as roupas.
Dona Zefa da Guia, liderança no território quilombola
Da nascente assoreada, a água está voltando a brotar. Os trabalhos da Urad começam a retirar a lama que soterrou o antigo poço e a encher de esperança os moradores da Serra da Guia. Com a conclusão das atividades, as pedras que Dona Zefa chama de lavadores serão novamente banhadas e o antigo riacho renascerá na comunidade. “Vai limpar isso tudo e vai sair, mais uma vez, aquela água limpinha, branquinha. Parece água de coco”, compara.
O assentamento Florestan Fernandes já experimentou o gostinho de ver a água jorrar. Engajados por meio da Urad, os moradores fizeram um mutirão e retiraram 8 toneladas de barro que entupia uma nascente na região. A iniciativa trouxe, de volta, um poço de 2,5 metros de profundidade, do qual minam 145 litros de água por hora. “Vamos encaná-la para o consumo animal”, adianta o agricultor Geodino Cassiano, 41, conhecido como Jau. “A água vai voltar a ser doce para a gente beber”, completa.
Recuperação de nascentes em Sergipe
BARRAGENS
A nascente revitalizada em Florestan Fernandes marca o início de um caminho seco de terra, que só enche quando chove no sertão, no chamado inverno nordestino. É nessa época que a água corre por ali até chegar ao São Francisco. Para evitar que a correnteza leve sedimentos prejudiciais ao Velho Chico, os moradores aproveitaram o período de estiagem e construíram 17 barragens capazes de impedir que o barro chegue ao rio.
As margens do córrego que só aparece na chuva estão repletas de umbuzeiros, angicos, barrigudas e mororós. As espécies típicas da Caatinga foram plantadas pelos moradores para a conservação do solo. O agricultor Jau completou a ornamentação com mandacarus e xique-xiques. “A comunidade é bem envolvida, sempre presente. Estamos pretendendo reflorestar dentro dos lotes”, planeja Antônio Hungria, 60, morador da região.
As barragens se juntam a extensos cordões de pedra no assentamento Modelo, também no sertão sergipano. As intervenções impedem as chamadas voçorocas – erosões que degradam o solo, retiram os nutrientes e dificultam as plantações. “A primeira já segurou bem os sedimentos”, explica Egídio dos Santos, da organização não-governamental que executa as intervenções na região. “O projeto é muito rico na disseminação da informação e a comunidade aprovou.”
PRODUÇÃO
Os sistemas produtivos são estimulados de acordo com a vocação de cada comunidade. Nos assentamentos, estão sendo preparados terrenos para plantações de frutos e hortaliças e de palma, um cacto que alimenta o gado. Os cultivos ocorrerão em áreas de incentivo à Integração de Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF). “Vamos passar de comprador para vendedor”, comemora Pedro França, presidente da associação de moradores de Florestan Fernandes.
Os galhos retirados das catingueiras desses locais são usados como lenha para os fogões ecológicos construídos por meio da Urad. Feitos em alvenaria, eles diminuem o consumo de madeira e não geram fuligem, além de distribuir eficientemente o calor entre as três bocas, a grelha e o forno. A dona de casa Josefa Gouveia, 58, destaca, também, a economia para a família. Segundo ela, com o fogão, foi possível deixar de gastar R$ 85 todos os meses com botijões de gás.
Fogões ecológicos construídos por meio da estratégia Urad
O envolvimento comunitário é fundamental para os avanços da Urad. “Os módulos produtivos são escolhidos pelas comunidades”, exemplifica a diretor de Desenvolvimento Rural Sustentável e Combate à Desertificação do MMA, Valdemar Rodrigues. Para fomentar a replicação da estratégia, a iniciativa foi divulgada para prefeituras locais em evento comemorativo ao Dia da Caatinga, realizado no fim de abril, na unidade de conservação estadual Grota do Angico, em Poço Redondo (SE).
SAIBA MAIS
Aproximadamente 15% do território nacional e 37 milhões de brasileiros são afetados pela desertificação. A área de mais de 1 milhão de quilômetros quadrados abrange 1.492 municípios em nove estados do Nordeste e em partes de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Com foco na recuperação dessas áreas, o MMA desenvolveu a estratégia Urad, por meio dada neutralidade da degradação da terra (LDN) e da implementação de tecnologias de adaptação. Além de Sergipe, serão implementadas unidades na Bahia, Maranhão e Piauí. Também estão previstas outras Urad na bacia do Rio Parnaíba.
Fonte: MMA

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