sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Pesquisador luta para que as ilhas de Kiribati não sejam extintas.

O PROFESSOR MICHAEL ROMAN (À DIREITA) LUTA PELA PRESERVAÇÃO DO KIRIBATI (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Areia branca, mar turquesa. As praias paradisíacas de Kiribati, um conjunto de 33 ilhas e atóis no Oceano Pacífico, parecem ser um sinônimo de paz e tranquilidade. O problema é que esse paraíso natural poderá desaparecerpor completo caso a temperatura do planeta avance dois graus Celsius até 
O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no início de outubro, afirma que se as emissões de gases de efeito estufa continuarem da forma como estão hoje, a Terra chegará em 2040 com aquecimento de 1,5 graus. Mas, se as emissões forem cortadas em 45% em 2030 e zerarem em 2050, a meta poderá ser cumprida, o que não significa que cada grau adicionado à temperatura global não provoque impactos. Hoje, os I-kiribati, a forma como são conhecidos os moradores desse país que obteve a independência do Reino Unido em 1979, já estão sentindo de forma intensa o que uns poucos graus a mais na temperatura são capazes de promover no ambiente.
Kiribati tem no pesquisador norte-americano Michael Roman, professor da Universidade de Cincinnati (EUA), um de seus principais defensores. Em 2000, Roman foi voluntário na agência  Peace Corps, trabalhando no país por dois anos. Retornou várias vezes a Kiribati nos últimos 18 anos, seja como voluntário em campanhas de prevenção à AIDS, ou como membro adotado de uma família local. No último dia 6 de outubro, antes da divulgação do relatório do IPCC na Coreia do Sul, Roman defendeu apoio internacional ao país em um TED Talk, realizado em Toledo, Ohio. “As mudanças climáticas são um dos maiores desafios morais do século 21”, afirma Roman, no início da sua apresentação.
PAISAGEM DE UMA DAS ILHAS DE KIRIBATI (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Além de ter escrito diversos artigos na imprensa dos Estados Unidos e de ter feito teses a respeito dos impactos do clima em Kiribati, Roman e seus primos criaram a comunidade Humans of Kiribati, no Facebook e Instagram, para apresentar histórias diretamente dessa ilha. É possível ver vídeo clipes do país e até mesmo o pronunciamento do presidente de Kiribati, Taneti Maamau, na última Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), pedindo para que o mundo se preocupe com o futuro dessas pequenas ilhas.
O pedido urgente de ajuda humanitária tem explicação. De acordo com Roman, as tempestades no país estão ficando cada vez mais violentas. Uma maré alta, chamada de King Tide, avança sobre casas e destrói plantações. “Nossos poços, que são nossa fonte de água fresca, estão se transformando em água salinizada e estão impróprios para beber agora. As plantações de mamão e fruta-pão estão morrendo por causa do oceano”, diz Iorita Toromon, em depoimento a Roman sobre o efeito de um ciclone em Tarawa, capital do país, em 2016. Em um período de 13 anos, Abarao Village, no sul de Tarawa, ficou praticamente inundada. “As mudanças climáticas não são algo que irão acontecer. É algo que já está acontecendo”, afirma Roman.
A população, no entanto, não pensa em sair dessas ilhas. De acordo com Roman, as pessoas têm uma estreita relação com a terra, toda a sua cosmologia social é marcada pelo espaço de seus ancestrais. E, quando morrerem, querem ser enterrados nessa mesma areia. Para dar um alívio ao povo, o ex-presidente Anote Tong comprou, em 2016, 5 mil acres de terra nas ilhas Fiji para garantir o mínimo de segurança à população de Kiribati, de 115 mil pessoas. Roman explica, no entanto, que esse espaço não é suficiente.
“E as Ilhas Fiji também são vulneráveis às mudanças climáticas”, explica Carolina de Abreu Batista Claro, professora de Direito Internacional da Universidade de Brasília (UNB) e que também já foi consultora de um projeto nos pequenos países insulares. “Temos grandes problemas quando um país compra um pedaço de terra em outro país, que não é obrigado a aceitar o estrangeiro. Transferir o domínio territorial de um país para o outro fere a soberania. É muito improvável que Fiji aceite que Kiribati exerça seu poder de Estado em seu território.”
Como Kiribati está bem no meio do Pacífico, entre Austrália e Havaí, a esperança é que os moradores possam buscar refúgio na Austrália e até na Nova Zelândia. A pesquisadora Batista Claro explica, no entanto, que esses dois países aceitam apenas vistos temporários de trabalho. E, muitas vezes, chegam até mesmo a enviar um refugiado climático para “prisões” off shore, em ilhas muito pobres do Pacífico. “A Austrália prende essas pessoas em outras ilhas. A Nova Zelândia não tem tão boa vontade. Mas esses países reagem às pressões (internacionais).”
O grande problema é que não há uma regra mundial capaz de reconhecer uma pessoa que migra em decorrência das mudanças climáticas, quando muito há proteção no caso de grandes desastres ambientais. A Convenção de Refugiados de Genebra, de 1951, entende refugiado a pessoa que foge de guerras, perseguições políticas e religiosas. O Alto Comissariado da ONU para Refugiados (UNHCR) utiliza a expressão “deslocado no contexto de desastre ou mudança climática”.
Melissa Fleming, porta-voz do UNHCR, explica que a entidade empreende esforços para ajudar os pequenos países insulares junto à “Plataforma para Deslocamentos por Desastres”, que visa implementar as ações determinadas pela agenda da chamada Iniciativa Nansen, defendida pela Suíça e Noruega para proteção dos “deslocados climáticos”.  “Endossado por mais de 100 Estados, essa agenda tem como objetivo proteger as pessoas deslocadas para além das fronteiras nacionais em um contexto de desastre ambiental ou mudança climática”, explica Fleming, em entrevista por e-mail. Por enquanto, explica Fleming, os maiores deslocamentos são feitos dentro das fronteiras dos próprios países. De acordo com a agência Internal Displacement Monitoring Center (IDMC), parceria da ONU, no ano passado foram registradas 18,8 milhões “deslocados” em razão de desastres em 135 países.
Lilian Yamamoto, pesquisadora da Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais (Resama), acredita que caminhos de acordos bilaterais e os discutidos no âmbito da Plataforma, mesmo que não haja obrigatoriedade de cumprimento pelos países envolvidos, são importantes para responder às necessidades dos países insulares. Uma mudança da resolução de 1951, por exemplo, poderia demorar tanto que prejudicaria todos os que precisam ser protegidos.
“Uma soft law é uma declaração de intenções, cujo não cumprimento não significa que o estado receberá sanção. Mas isso ajudaria porque, mesmo que não tenha validade jurídica internacional, pode influenciar a adoção do termo migrante ambiental na legislação doméstica dos países. Na América do Sul, por exemplo, temos a Bolívia e a o Peru que já adotaram esse termo.” Roman acredita que acordos regionais, como uma proposta feita pela Nova Zelândia no ano passado de um visto humanitário para os moradores das ilhas do Pacífico, são iniciativas maravilhosas, mas defende que seja criada uma categoria de refugiado climático. E defende: “A humanidade, não a ganância, deve conquistar os corações humanos.”
Fonte: Revista Galileu

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