O clima é decisivo para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
Mas por que é tão difícil incorporar o tema nas estratégias dos negócios, na agenda dos governos e em nossa atuação como cidadão? Existem vários motivos, mas o principal é o fato de ser uma temática aparentemente pouco palpável, que parece tão distante, já que sempre ouvimos falar que esse problema afetará “nossos netos e nossos bisnetos” (hoje mesmo ouvi novamente esta falsa informação de uma grande emissora de televisão). “Ah, mas isso é algo tão distante, até lá com certeza inventarão uma tecnologia capaz de reverter suas consequências.” Mas adivinha só! As mudanças climáticas já estão nos afetando. O problema não será terceirizado a nossos netos, nem permanecerá restrito aos ursos polares, mas está nos prejudicando aqui e agora.
Nesta semana, no dia 30 de outubro, a Organização Mundial de Meteorologia (OMM) publicou seu boletim anual referente a 2016 informando que nesse ano a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera atingiu um nível recorde em pelo menos 800 mil anos. O CO2 é o gás responsável por mais de 80% da poluição que gera o aquecimento global, sendo proveniente em sua maior parte da queima de combustíveis fósseis, carvão, óleo e gás usados para produzir energia. Além disso, o planeta está 1,1 grau acima dos níveis pré-industriais, o que significa um recorde na temperatura média global anual.
Quais as consequências disso? Recentemente, entre final de agosto e meados de setembro deste ano, a América do Norte, a América Latina e o Caribe sentiram na pele a destruição provocada por uma sequência de poderosos furacões. Primeiro enfrentamos o Furacão Harvey, categoria 4 – apenas o Furacão Wilma em 2005 atingiu os Estados Unidos com a mesma categoria. Harvey ainda não tinha se dissipado quando o ciclone tropical Irma, o primeiro de categoria 5 com ventos superiores a 250 quilômetros por hora a atingir Cuba em 100 anos, também alcançou os Estados Unidos, causando mais destruições. No mesmo período o Furacão José atingiu a Ilha de Barbuda chegando à categoria 4, com ventos em torno de 210 quilômetros por hora. José e Irma passaram então à categoria 4 ao mesmo tempo, uma coincidência ocorrida somente duas vezes na história, em 1935 e 2010. E ainda viria a tempestade Katia, que atingiu o norte do México com ventos de 120 quilômetros por hora no momento em que país começava a se recuperar do terremoto ocorrido no dia 19 de setembro, de 8,2 graus de magnitude.
É claro que existem as temporadas de furacões já amplamente conhecidas. No entanto, o que se observa é que eles nunca foram tão frequentes e tão intensos. Na prática, esses eventos significaram danos de bilhões de dólares e a perda de centenas de vidas. No Caribe, os danos atribuídos ao Irma foram calculados em US$ 10 bilhões, tornando o furacão o mais devastador em termos de danos materiais na região. Já para o Harvey foram estimados gastos de US$ 70 bilhões a US$ 190 bilhões para a recuperação local, além de ter provocado 71 mortes, sendo considerado o “pior desastre na história do Texas” pelo diretor da Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema), Brock Long.
Mas não precisamos ir tão longe para apontar na prática como as mudanças climáticas têm nos afetado. No Brasil, de acordo com o Relatório de Avaliação Nacional (RAN1) lançado em 2013 pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, até o final o século XX a temperatura média do país aumentou aproximadamente em 0,75 grau, sendo 1998 considerado o ano mais quente da série histórica. Mais recentemente, de acordo com um estudo publicado em agosto deste ano na Scientific Reports, pela primeira vez uma seca ocorrida em 2016 na Amazônia não pôde ser explicada pelo aumento das temperaturas provocadas por fenômenos como o El Niño. A conclusão é que a ação humana contribuiu para intensificar a seca, considerada a pior em 100 anos.
As consequências das alterações climáticas são diversas e já ocorrem aqui e em diversos pontos do planeta. Há desde reflexos na agricultura – por ser altamente dependente de fatores climáticos, mas também pelo aumento de pragas, doenças e plantas invasoras – passando pelo derretimento de gelo que já ocorre no Ártico, Antártica, Groenlândia e também nos Alpes, Kilimanjaro (Tanzânia) e glaciares da América do Sul, pelo aumento no nível de água dos oceanos e chegando ao crescimento do processo de desertificação em locais vulneráveis, como o oeste da América do Sul e o sudoeste dos EUA. Há também migração de populações vulneráveis em decorrência de desastres, como já ocorre em regiões costeiras como Bangladesh e Ilhas Maldivas.
Diante desse cenário, o que fazer? Neste momento tão crítico, é importante lembrar a colocação do cientista político Robert Axelrod, da Universidade de Michigan, sobre a “tragédia dos comuns” – situação em que as pessoas agem em prol de seus próprios interesses e se comportam contra os interesses da comunidade, esgotando um recurso comum. De acordo com Axelrod, mesmo indivíduos interessados apenas em seu próprio bem-estar encontram formas de cooperar quando o autocontrole coletivo serve tanto aos interesses do indivíduo quanto aos do grupo. Assim, precisamos atuar coletivamente com urgência para não agravar o problema, criar políticas públicas em prol do bem comum, além de ter um planejamento bem delineado para lidar com as consequências que certamente virão, mas também com as que já batem a nossa porta.
Hoje a questão não é se as mudanças climáticas são reais, mas sim como vamos lidar com elas. As soluções já estão disponíveis: tecnologias para a produção de energias renováveis e eficiência energética, comercialização de ativos de carbono, ferramentas de tributação ambiental para poluidores e que oferece benefícios financeiros para quem promove a sustentabilidade, veículos elétricos, sistemas de compensação de CO2, construções verdes e ecoeficientes, enfim, são todas ferramentas que não apenas combatem as alterações climáticas, como criam novos mercados, promovem a geração de renda e criam novos empregos. Para isso acontecer e se intensificar, no entanto, precisamos da atuação conjunta entre governo, empresas, Terceiro Setor e sociedade civil, já que o problema atinge a todos nós. E a solução, também.
Fonte: Época (JULIANA ZELLAUY)
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